Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
03/12/2008
Correndo contra o "tempo": a urgência da responsabilidade e o Plano Nacional sobre Mudanças Climátic
São Lourenço da Serra - Quando o tema mudanças climáticas é debatido, devem ser considerados dois fatores igualmente importantes, mas que eventualmente podem levar-nos a medidas distintas se tomados de forma desequilibrada: o senso de urgência e o senso de responsabilidade.
Ao ler o Plano Nacional sobre Mudança Climáticas - PNMC, elaborado às pressas pelo CIM (Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima), nós do Vitae Civilis nos sentimos, apreensivos e decepcionados. A elaboração do PNMC é um compromisso que o Brasil assumiu em 1994, quando ratificou a UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima). Em novembro de 2007, 13 anos depois, um decreto presidencial instituiu o CIM, com o objetivo de elaborar uma proposta de política nacional e de dar vida a um Plano. O Projeto de Lei 3535/2008 da Política Nacional foi encaminhado ao Congresso em junho, e a versão preliminar do Plano deveria ter sido apresentada para consulta pública em abril de 2008. É importante notar que durante 14 anos a elaboração do PNMC foi deixada de lado, ganhando “atenção” do Executivo somente em 2007. A versão preliminar do PNMC só foi divulgada em setembro, visando seu lançamento para a CoP-14, que acontecerá entre os dias 1-12 de dezembro, em Poznan, Polônia. O senso de responsabilidade foi esmagado pelo senso de urgência e o resultado é lamentável.
De um Plano, espera-se um documento objetivo, que defina metas, ações para o seu cumprimento e indique instrumentos concretos, incluindo a origem dos recursos e financiamentos necessários para que sejam cumpridas. Importante também atribuir responsabilidades a todos os organismos governamentais e setores da sociedade envolvidos com a questão das mudanças climáticas e apontar os ônus decorrentes do seu não cumprimento. As 156 páginas apresentadas são tudo menos um Plano. O documento divulgado no dia 25 de setembro de 2008 é uma mistura de cartilha escolar dos setores da economia brasileira com carta de intenções e colcha de retalhos das ações que o país pretende e de algumas que já diz adotar, nessa área, lançando mão de programas que já estão em curso (e que independem do PNMC).
O PNMC está dividido em quatro eixos norteadores (Oportunidades de Mitigação; Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação; Pesquisa e Desenvolvimento e Capacitação e Divulgação), que muito excepcionalmente apresentam metas críveis ou objetivos mensuráveis, verificáveis e reportáveis. É impossível tentar encontrar relações entre as ações citadas e sua eficácia em contribuir com a proposta do eixo em que está inserida, principalmente porque quando foram criadas, muitas dessas ações não levaram em conta as mudanças climáticas. Ademais, não estão disponíveis cenários que permitam a elaboração de modelos de desenvolvimento que se adequem aos efeitos das mudanças climáticas, imprescindíveis para a construção de um Plano sério com bases sólidas. Nesse sentido, estão previstas para 2009 as conclusões de um estudo do INPE, com o objetivo de prover cenários de impactos das mudanças climáticas de alta resolução nas três bacias mais populosas e economicamente importantes da América do Sul (Amazônia, São Francisco e Paraná – Prata) e do estudo Economia das Mudanças Climáticas no Brasil, que será ser uma ferramenta importante para direcionar políticas públicas e empresariais de desenvolvimento.
Visto que mais de 60% das emissões brasileiras de GEE provém de mudanças do uso do solo e desmatamento, é imperativo que o Plano apresente metas concretas de redução e prevenção da perda de cobertura florestal e mecanismos políticos, legais e financeiros que possibilitem seu cumprimento. Esses mecanismos devem ser pensados não só para região amazônica, como também para os outros biomas. Para o bioma da Mata Atlântica, que não recebeu do Plano a atenção merecida, deveria haver programa de médio prazo para restauração de ecossistemas e da cobertura vegetal, uma vez que é importante garantir o fornecimento de importantes serviços ambientais para a região mais densamente povoada do país.
A prevenção e controle do desmatamento ilegal é desafio permanente. A legislação ambiental brasileira é bastante rígida e clara e se fosse obedecida permitiria uma redução significativa das emissões. Os recentes anúncios sobre tendências de aumento do desmatamento na Amazônia indicam necessidade de maior firmeza da Casa Civil e do MMA junto aos vários ministérios, governos estaduais e municipais para a efetiva execução das medidas já articuladas pelo Governo. Por outro lado, ficamos apreensivos com propostas e iniciativas de flexibilização de medidas já anunciadas para conter o desmatamento. É temeroso o que vemos hoje no Congresso Nacional quanto à negociação de instrumentos de flexibilização da legislação florestal e ambiental, o que associado ao déficit de seu cumprimento, pode levar o país a aumentar as suas emissões de gases de efeito estufa e inviabilizar o desenvolvimento justo e socioambientalmente sustentável em diversas áreas do país. O Vitae Civilis reconhece a importância de adoção de metas e mecanismos para prevenção de desmatamento e conservação de ecossistemas florestais, como, por exemplo, os propostos pelo “Pacto pela valorização da floresta e pelo fim do desmatamento na Amazônia brasileira”, documento elaborado por 9 ONGs e que tem como objetivo central a redução do desmatamento na Amazônia a zero, até 2015.
Globalmente o setor energético é o que mais contribui para o aumento das emissões de GEE. A matriz energética brasileira é composta por 55% de fontes fósseis (petróleo e derivados, gás natural e carvão mineral), e na matriz de eletricidade tem destaque a contribuição de grandes hidrelétricas, que apesar de renováveis, quando executadas sem o atendimento de critérios de impactos socioambientais de curto e longo prazo podem não atender critérios de sustentabilidade. O crescimento da demanda por energia abre uma enorme janela de oportunidade para o investimento em fontes renováveis e sustentáveis (solar, fotovoltáica, eólica, biomassa e PCHs) e em medidas de eficiência energética, visto que, como o próprio Plano diz ”não há energia mais barata e ambientalmente mais sustentável do que a energia economizada”. Porém, quando se trata das questões relativas à eficiência energética, o Plano apresenta as potencialidades de redução da demanda e seu impacto sobre as emissões sem, no entanto, apresentar metas mensuráveis, reportáveis e verificáveis, fazendo apenas uma listagem de diversos programas governamentais já existentes.
O segundo eixo do PNMC “Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação” atesta a necessidade de realização de estudos que contribuam para o desenvolvimento de cenários e comprova o atraso brasileiro em priorizar à questão climática, principalmente no que tange a adoção de medidas de adaptação. Cerca de 80% da população do Brasil vive em cidades, que não foram planejadas para suportar eventos climáticos extremos ou mudanças drásticas nos ciclos de chuva e temperatura. A criação de novos padrões urbanísticos e construtivos, com soluções referentes ao conforto térmico, eficiência energética, arborização, sistemas de drenagem, contenção de marés, etc, permitirá a manutenção de níveis mínimos de conforto para a população urbana e deveria ser priorizada, mas não existem referências explícitas a esta questão.
A linguagem utilizada é inadequada por não demonstrar objetividade e firmeza e em diversos pontos o texto alonga-se por explicações que não cabem num Plano de ações.
Uma edição criteriosa poderia reduzir, a menos de 30, as 156 páginas do “Plano”, incluindo as demais informações em Anexos. Essa medida facilitaria a identificação das ações prioritárias e efetivas e a discussão multisetorial necessária para o enfrentamento da questão climática.
O Brasil é um dos maiores emissores de gases do efeito estufa e atualmente preside o Grupo de Trabalho Ad Hoc de Ação cooperativa de Longo Prazo no âmbito da UNFCCC (AWG-LCA), que negocia o acordo pós-2012. Tais responsabilidades demonstram o papel de liderança do país nas negociações e refletem a expectativa e o nível de cobrança criados em torno da apresentação do plano brasileiro, que poderá ser utilizado como molde por outros países em situações parecidas.
Esperamos que na versão final do PNMC - Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas o governo considere os comentários e críticas levantados pela sociedade civil durante o período de consulta pública e durante o processo da 3a. Conferência Nacional do Meio Ambiente.
Não desejamos que esse documento seja uma mera lição de casa feita na véspera para apresentar à comunidade internacional na CoP-14. É indispensável que o Brasil assuma seus compromissos históricos, atuais e futuros, porém a menos de 20 dias do início da CoP, o governo cria um falso senso de urgência para evitar tratar o tema com responsabilidade.
Fonte: Portal do Meio Ambiente/proclimacapacita.