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Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos

O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS

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14/07/2009

"As florestas precisam ter papel significativo nas negociações de Copenhagen", afirma Carlos Nobre


Criado em 1997 e ratificado em 2005, o protocolo de Kyoto representa a primeira tentativa de criar um acordo mundial com metas para combater as mudanças climáticas. O tratado fixava que os países desenvolvidos deveriam reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em 5,2%, em relação às emissões de 1990, até 2012. Hoje, doze anos depois, diversos cientistas e especialistas da área ambiental criticam o protocolo como sendo tímido e sem efetividade para realmente evitar o aquecimento global.

Considerado um dos maiores especialistas do Brasil em mudanças climáticas, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Carlos Nobre não acredita que Kyoto seja suficiente. Membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, Nobre foi um dos responsáveis pelas pesquisas científicas que mostraram ao mundo que a situação era muito pior do que se imaginava, e que as reduções teriam de ser mais acentuadas.

Segundo o pesquisador, para que o aumento de temperatura não passe de 2°C, margem segura para que não ocorram mudanças drásticas no clima, as reduções deveriam chegar a 80% até 2050. "Portanto, o protocolo de Kyoto é absolutamente insuficiente até mesmo para servir de base para as futuras negociações", explica, em entrevista ao site Amazonia.org.br.

O cientista fala em futuras negociações já pensando na Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, que acontece no final do ano em Copenhagen. Grande parte da comunidade internacional espera que deste encontro saia um novo acordo para redução de emissões, que na opinião de Nobre, precisaria ser muito mais rigoroso. "Copenhagen deve ser muito ambiciosa em colocar metas rigorosas: para os países desenvolvidos redução entre 30 e 40% até 2020 e para os países em desenvolvimento uma redução significativa no crescimento de suas emissões", explica.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Pode se dizer que o protocolo Kyoto teve sua importância e cumpriu com sua função?

Carlos Nobre - O protocolo de Kyoto teve sua importância sim. Ele mostrou que é possível a maioria dos países do mundo chegar a um acordo internacional que sinalize na direção de redução das emissões. Muitos duvidavam até que seria possível chegar a este acordo. Então o protocolo mostrou que a negociação diplomática que leva a estes acordos é possível, claro que é difícil, mas foi efetivado. Agora, o acordo deixou muito a desejar em vários aspectos.

Em primeiro lugar ele foi muito tímido com relação às metas de redução das emissões. Pode-se entender que ele foi assinado em 97 quando se imaginava que reduzir 5,2% em relação a 1990 dos países desenvolvidos seria um número razoável. Mas a ciência, mesmo na década de 90 como nesta década, mostrou que as reduções deveriam ser muito superiores.

Então, esta foi a primeira falha. O problema mais importante foi a não adesão dos Estados Unidos da América no acordo. Isso é uma falha pós-assinatura, uma decisão do governo Bush. Não é uma falha do protocolo em si, mas da efetivação do documento.

Uma última falha é que mesmo os países que assinaram o documento e estão tomando iniciativas não cumprirão suas metas. Então vamos dizer que a nota de zero a dez que eu daria para o Kyoto seria quatro. Menos do que cinco, o mínimo desejável, por que não cumpriu seu objetivo mesmo entre os países signatários. Mas também não é zero porque ele tem sua importância histórica de mostrar que é possível atingir negociações entre um grande número de países.

Ele também permitiu que se testasse uma série de iniciativas de redução de emissões, como o comércio de certificação. Diversas iniciativas de desenvolvimento limpo conseguiram recursos graças ao protocolo. Principalmente no setor de energia dos países em desenvolvimento. Nada disso aconteceria se não houvesse o protocolo. Isso não pode ser jogado na lata do lixo, mas na minha avaliação o protocolo não tirou nem nota cinco.

O que deve ser mudado para que haja um protocolo com efeito?

Carlos Nobre - Eu considero que o protocolo de Kyoto foi um bom experimento para ser abandonado. Temos que diminuir as emissões globais até metade do século em 80%. Portanto o protocolo de Kyoto é absolutamente insuficiente até mesmo para servir de base para as futuras negociações. A experiência sim, os erros e os acertos valem alguma coisa. Agora não pode simplesmente imaginar que a partir de 2012 vamos melhorar Kyoto. As bases de negociação têm que ser totalmente diferentes.

O protocolo de 97 fez metas para 15 anos depois. Estamos em 2009 e temos que ter avanços significativos em 2015, com mensuráveis reduções dos países desenvolvidos. Será discutido em Copenhagen algo entre 30% e 40%. Além disso, os países em desenvolvimentos devem entrar neste novo acordo de forma significativa. Não podem continuar crescendo suas emissões, eles precisam começar a reduzir. A taxa de crescimento anual tem que cair muito. Portanto prefiro nem discutir a sobrevivência do protocolo de Kyoto melhorado, mas um novo acordo.

Há esperanças de que Copenhagen assuma este papel?

Carlos Nobre - Todos têm essa expectativa. Espero que Copenhagen não decepcione o mundo, que os negociadores estejam à altura do desafio histórico e à altura do que o planeta vive. Com a ciência nos informando com muito vigor e segurança que os riscos são muitos maiores do que imaginávamos dez anos atrás, que as mudanças estão procedendo numa velocidade maior do que imaginávamos cinco anos atrás, em cima dessa crescente evidência científica nós temos que reduzir as emissões rapidamente, para não colocarmos o planeta numa rota de alto risco. Que os negociadores e chefes de estado respondam com um acordo abrangente. Esta é a expectativa.

De quanto seriam os cortes para que começasse a surtir algum efeito no clima?

Carlos Nobre - Cerca de 80% é número que a ciência hoje aponta para que houvesse 75% a 80% de probabilidade de que as temperaturas não aumentem mais do que 2ºC com relação à era pré-industrial. Essa é uma margem de segurança boa de que nós não levaríamos o planeta a uma rápida e irreversível mudança. Algumas mudanças hoje já se tornaram irreversíveis, mas precisamos que a irreversibilidade do colapso dos subsistemas climáticos não fosse uma norma. Como já comprometemos 0,8ºC, e como nada pode ser feito para impedir mais 0,5ºC, a nossa margem de aumento de gases de efeito estufa é muito pequena, nós já estamos no limite. É preciso uma redução global, não só dos países desenvolvidos, de 80% a menos do que se emitia em 1990 até 2050.

Existe vontade política dos países em agir nesta direção?

Carlos Nobre - Para os países, fazer compromissos de longo prazo, como até 2050, é algo mais fácil de acontecer, pois nenhum destes governantes nem vivo estará, então é fácil. A grande questão é quais são os compromissos de 2015 e 2020. Este é o intervalo que para que consigamos ter reduções de 30% a 40% precisaríamos pelo menos dos países desenvolvidos e uma redução marcante da taxa de emissão dos países em desenvolvimentos. Por exemplo, se até 2020 o Brasil cumprir o que reza o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, com o desmatamento da Amazônia abaixo de 5mil km, o Brasil já reduziria suas emissões em 30% e seria um exemplo para o mundo. Este é o exemplo que colocaria o Brasil no topo dos países limpos do mundo, se nós cumprirmos este compromisso. Mas é importante que economias emergentes diminuam a velocidade de quanto suas emissões vêm crescendo. Então Copenhagen tem que ser muito ambiciosa em colocar uma meta rigorosa, porém possível.

Você acredita que mecanismos de controle e punição ajudariam a cumprir as metas?

Carlos Nobre - O protocolo de Kyoto também não tinha mecanismos de garantia do cumprimento, não havia nenhum mecanismo de punição. Este assunto vai ser muito debatido ainda. Eu particularmente não acredito em mecanismos de punição. Acho que é muito difícil punir um país, ou começar a desenvolver um sistema que vai gerar inúmeras assimetrias, porque qualquer sistema que se crie em termos de mercado, e o mercado de carbono é um mercado, é historicamente usado contra os países em desenvolvimento. Eu particularmente acho improvável a criação de mecanismos de punição.

Acredito que as metas rigorosas têm que ser objetivos que os próprios países incorporem em suas políticas internas e com muita força, da mesma forma que quaisquer metas globais de qualidade de vida, sistemas educacionais, saúde. Os países entendem que elas existem para seu próprio benefício e correm atrás de cumpri-las. Até existe certa competição para ver qual país vai cumprir primeiro. Então, é muito mais provável que nós consigamos atingir metas de redução quando as populações dos países perceberem que são tão importantes quanto as metas de melhorias na qualidade dos atendimentos de saúde, da educação, etc.

Um exemplo é o caso do Brasil. Somos nós que temos que querer reduzir este desmatamento ilegal na Amazônia. Então em primeiro lugar somos nós que queremos seguir estas metas e entender a importância destas. Eu entendo que assim é a melhor maneira de funcionar.

O Brasil tem feito um bom trabalho com a Amazônia?

Carlos Nobre - Sim e não. Se a gente olhar a redução do desmatamento friamente nos números dos últimos anos, podemos dizer que não se pode criticar um país que de 2004 a 2009 terá reduzido mais de 60% do desmate. Então, se a gente olha os números, só pode elogiar. Mas é importante também observar se nós estamos criando condições de que esta redução do desmatamento seja sustentável, seja permanente, se outro paradigma de desenvolvimento da Amazônia tomou a frente do paradigma boi, da soja. Mas ainda não, a economia da região não avançou na economia sustentável. Então, vamos dizer assim, esta resposta é sim, nós temos que elogiar a redução e não, não ficarmos satisfeitos e comemorando este feito, porque todas as forças que pode levar ao aumento ainda estão presentes e não conhecem outra maneira de desenvolver a região sem desmatar.

Então a vigilância tem que ser muito grande, de não permitir o desmate ilegal. O Estado de direito tem que se fazer presente. Com relação há 10 anos, o Estado é muito mais presente hoje, é claro, mas ainda é pouco enraizado. O fato de que tem havido progressos, principalmente através dos Ministérios Públicos Amazônicos, não pode nos deixar tranqüilos de que a legalidade do desenvolvimento está garantida.

A preocupação com a floresta pode entrar nos quesitos a serem discutidos em Copenhagen ?

Carlos Nobre - Tem que entrar, é muito importante. Quando precisamos atingir a meta de 80% de redução para ficarmos no lado menos inseguro das mudanças climáticas, é lógico que o setor florestal pode colaborar com 10%, 12% desta meta até 2050 se nós hipoteticamente falamos de zerar desmatamento dos ecossistemas tropicais e subtropicais. Alguém pode falar, "puxa, mas é muito pouco", mas não é pouco, pois as reduções têm que vir de todos os setores. Seria ingênuo achar que só vai vir do petróleo, carvão, gás, tem que vir de todos os setores, desde a agricultura, da pecuária, da indústria. Todos os setores tem que reduzir, e a florestas tem um papel muito significativo.

Diminuir o desmate não pode acentuar problemas sociais na região?

Carlos Nobre - Acho que não, acredito que este raciocínio seja completamente equivocado, porque a expansão da fronteira agrícola se dá através de grandes desmatamentos, que privilegiam uma agropecuária de baixíssima eficiência, pois as áreas desmatadas são proporcionais às áreas abandonadas, e isso não pode ser permitido.

Segundo, não há como justificar ilegalidade. Temos que implantar o Estado de direito, o que é benéfico para todos, inclusive para a economia. As atividades sustentáveis só conseguem competir economicamente se elas tiverem em uma competição leal. É como justificar o tráfico de drogas porque emprega pessoas.

A pequena agricultura, que também responde por desmatamentos, também precisa receber um enorme apoio do governo, precisa ser subsidiada até que esta agricultura estabeleça padrões de qualidade e eficiência. As áreas desmatadas por esta agricultura já são grandes e poderiam ser muito mais eficientes para as famílias que as fazem. E isto não é expandindo esta área, mas aumentando a eficiência, e não só justificar o aumento das áreas desmatado pela agricultura familiar como uma necessidade incontornável. Não se pode justificar uma agricultura ineficiente, que não aproveita as áreas desmatadas, para avançar, pois, dentro desta lógica, a floresta não tem salvação.

Nós não podemos nos render a um argumento fatalista, de que as pessoas precisam se alimentar. Não é por ai, não está havendo uma explosão populacional na Amazônia, ao contrário. A eficiência na questão agrícola é central, e deve se implantar permanentemente na produção agrícola, sem o ciclo perverso de desmate, cultivo, abandono, desmate. Este ciclo vicioso em todos os lados deve ser interrompido, e a maneira de fazer isso é a implantação do Estado de direito de um lado e a eficiência agrícola em outro.

Amazonia.org.br - Existe algum exemplo de políticas que estão sendo aplicadas em outras florestas tropicais ao redor do mundo que sirvam para a Amazônia?

Carlos Nobre - Exemplos bons em pequena escala existe, como por exemplo a Costa Rica. Ela vem tentando desenvolver mais sistemas para aproveitar as riquezas naturais sem agredir o ecossistema. A Costa Rica é o país mais importante do mundo no termo de eco-turismo tropical, muito mais do que o Brasil. É um bom exemplo, mas muito limitado. Isso porque de fato nós não conseguimos, em termos globais, uma maneira de desenvolver regiões com florestas sem desmatar. Este modo não existe.

Mas nós somos a única espécie animal dotada de inteligência. Se nós transformamos o mundo a favor da nossa qualidade de vida, por que não usamos dessa inteligência para inventar um modelo de desenvolver estas regiões sem causar desmatamento? Com a ciência que temos hoje, é possível imaginar uma economia de base florestal, com recursos da biodiversidade, dos serviços ambientais do ecossistema. Tudo isso é possível, mas nós temos que querer. Temos que falar que não queremos mais o desmate e inventar algo para substituí-lo. Existem alguns projetos pilotos no mundo, mas ainda nada que consiga manter a vida de milhões de pessoas.

O desafio de inventar um novo modelo de desenvolvimento para Amazônia é um grande propulsor para o Brasil. Está aí a oportunidade do país usar a Amazônia como alavanca para o próprio desenvolvimento.

Fonte: Portal do Meio Ambiente/ Amazonia.org.br


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