Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
12/07/2009
Caminho de L'Áquila
No caminho de L’Áquila, o presidente Lula recebeu um prêmio internacional e avisos de que salvasse a Amazônia. Em L’Áquila os escombros serviram de cenário para uma reunião marcante.
Aqui, a base governista pavimentou o terreno para destruir um pouco mais a Amazônia, dispensando licenças ambientais para estradas. Na floresta e na mesa de negociação, o Brasil precisa mudar.
A maneira de produzir retrocessos no Brasil é sorrateira: incluir um contrabando permitindo mais desmatamento numa MP sobre assunto aleatório. Fingir não ver que bancos públicos financiam o desmatamento.
Ignorar que somos o quarto maior emissor do mundo.
Distorcer argumentos na mesa de negociação. Programar centenas de termelétricas a combustível fóssil.
L’Áquila está semidestruída por um terremoto e terremotos não têm relação com aquecimento global.
Mas outros eventos trágicos têm e terão cada vez mais no futuro. Ignorar o consenso científico e os sinais recorrentes da natureza é roubar nossos descendentes.
O historiador Niall Ferguson fez, numa palestra recente, online, uma conta perturbadora: 100 bilhões de seres humanos já nasceram na Terra. Seis bilhões estão vivos agora. Somos, os vivos, apenas 6% dos já nascidos: uma fração da humanidade, que já viveu, e que viverá no futuro. A Terra é nossa, temporariamente.
O Brasil tem feito um papelão na mesa de negociação internacional sobre mudança climática: escolhe os parceiros errados, usa argumentos toscos, perde oportunidades.
Veja-se o argumento apresentado por um dos nossos negociadores. Ele batia naquela tecla gasta e equivocada de que se comprometer com metas de redução de emissões de carbono impedirá o crescimento econômico, e deu um exemplo: o Brasil precisa fazer a eletrificação rural e isso significa aumentar as emissões, explicou o nosso negociador.
Que estultice! Primeiro, o Brasil tem um índice de eletrificação já alto.
Segundo, quem disse que a expansão tem que ser à base de combustíveis fósseis? Terceiro, nunca contaram para ele que nossa principal fonte de emissão é o desmatamento da Amazônia? O Brasil faz papel de bobo porque quer. Aqui dentro, aumenta a compreensão da verdadeira natureza dos nossos objetivos. Falando ao meu blog (www.miriamlei-tao.com.br), o embaixador José Botafogo Gonçalves sintetizou: “o Brasil precisa assumir suas responsabilidades climáticas”.
Em L’Áquila, o mais notável foi a postura construtiva dos Estados Unidos, que permitiu o acordo de limitação em dois graus centígrados do aquecimento global aceitável.
O objetivo é insuficiente, a maneira de chegar lá ainda não está clara, mas é um avanço inédito.
O Brasil continuou com a aliança com a Índia e a China, sustentando que o G-8 é que deve cortar as emissões porque os emergentes precisam emergir. Parece uma boa posição. É péssima.
China e Índia têm matriz energética mais suja, são grandes poluidores e querem ganhar tempo. O Brasil é grande poluidor também, mas pelo efeito do desmatamento da Amazônia, cuja interrupção será para o bem de todos e felicidade geral da Nação.
Ainda que o inventário das nossas emissões seja velho, dificilmente sua atualização tirará do desmatamento o primeiro lugar das emissões brasileiras.
Enquanto ia para o encontro, o presidente do Brasil tinha em casa quem fizesse o inacreditável trabalho de tentar reverter a exigência de licença ambiental para estradas. A licença para estradas existe desde 1986. Já era considerada necessária seis anos antes da Rio-92, quando o Brasil começou a acordar para a questão ambiental. Mesmo assim, o relator da Medida Provisória 462, deputado governista Sandro Mabel (PRGO), propôs a suspensão em estradas federais.
Nada é por acaso nessa proposta. Nem essa pressa de liberar estradas em época pré-eleitoral. Nem o patrocínio da ideia pelo ministro Alfredo Nascimento, o mesmo que tentou emplacar igual proposta na MP 452, do Fundo Soberano. O que se quer com isso é liberar a BR 319, justamente a estrada à qual o Ibama negou a licença prévia. Essa BR é o sonho de quem quer ver a Amazônia por terra. Ela corta o coração do que há de mais preservado na nossa floresta.
Já começa a ser ameaçada só com o anúncio de que pode ser asfaltada.
Por que, em L’Áquila, Lula não pode ser um líder que se diferencie dos outros emergentes? Porque o governo dele está em plena ofensiva antiflorestal; porque não cumpriu nem mesmo as fracas, e não auditadas, metas do seu plano nacional de mudanças climáticas; porque ele é mal assessorado por uma cúpula do Itamaraty que ainda não entendeu que o tempo passou e o clima mudou.
No encontro de cúpula estavam os responsáveis por 80% das emissões dos gases de efeito estufa e os negociadores brasileiros se comportam como se a lógica desse debate fosse a mesma dos anos 70, do conflito Norte-Sul, que opunha pobres e ricos. Este é um debate do século XXI e nós estamos no MEF (Major Economies Forum). O Brasil é um dos responsáveis pelo problema, está entre os maiores poluidores e, para nós, ter metas de redução é o mais sensato a fazer do ponto de vista dos nossos interesses. Limitar emissões é lutar pela preservação da Amazônia. É derrotar a proposta de ampliar o desmatamento legal. É implantar e exigir o rastreamento do gado, que vai abrir mais mercados para a carne brasileira. É aproveitar nosso potencial eólico e solar. É procurar uma alternativa a uma estrada que já está incentivando a destruição.
Para nós, a redução das emissões é desenvolvimento.
Por: Míriam Leitão
Fonte: Manchetes Socioambientais/ Ascom GM/ O Globo