Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
25/09/2009
Artigo analisa legislação inédita e questiona mecanismo de PSA
Estado do Amazonas foi o primeiro a contar com lei sobre mudanças climáticas
Diante das ameaças do aquecimento global, o Estado do Amazonas foi pioneiro no Brasil na criação de uma política para enfrentamento do problema. Em 5 de junho de 2007, promulgou a Lei Ordinária Estadual no 3.135, que instituiu a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável no Amazonas. Composta de 33 artigos, essa lei criou um arcabouço jurídico para a implementação de ações e investimentos voltados para a mitigação das mudanças climáticas.
Uma das inovações foi a instituição do Programa Bolsa Floresta, um mecanismo de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para prover incentivos econômicos para a conservação. “Desta forma, verifica-se que o Amazonas busca desenvolver uma política para as mudanças climáticas com foco na redução de emissões decorrentes do desmatamento e, ao mesmo tempo, fazendo, para tanto, uso de mecanismos de mercado e de ações de melhoria da governança. Nota-se, também, que a política estadual inter-relaciona-se com a necessidade de promover o desenvolvimento no estado, o que pode ser notado pela ênfase no mercado como provedor de recursos para a implantação de programas de redução de emissões do desmatamento e desenvolvimento sustentável no Estado.”
Esse é o contexto do artigo “Dano ambiental e a política do Estado do Amazonas para as mudanças climáticas”, em que os autores José Rubens Morato Leite e Ernesto Roessing Neto perguntam: até que ponto o uso de uma lógica capitalista pode afastar o risco de uma crise ambiental? O artigo foi preparado com exclusividade para o Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos.
Morato Leite, vice-presidente do Instituto O Direito por Um Planeta Verde, é professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele orientou a construção do artigo, que foi redigido por Roessing Neto, que é subcoordenador do Centro Estadual de Mudanças Climáticas do Estado do Amazonas (Ceclima) e mestre em Direito pela UFSC, na área de concentração de Relações Internacionais.
Lei pioneira
Os autores afirmam que a criação da Lei Ordinária Estadual no 3.135/2007 significou a estruturação de uma “arquitetura jurídica para o desenvolvimento de ações, pelos setores público e privado, relacionadas com o combate ao efeito estufa, em especial com a implantação de projetos de redução de emissões decorrentes do desmatamento, uso de fontes de energia alternativas, promoção da educação sobre as mudanças climáticas e a realização de inventário de emissões no Estado”.
O artigo 2o estabelece objetivos inéditos até então, como a realização periódica e sistemática do inventário estadual de emissões, biodiversidade e estoque de gases de efeito estufa (GEE), e orientação, fomento e regulação de mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) e de outros projetos de redução de emissões de GEE. Estabelece ainda a elaboração de planos de ação contra os efeitos adversos das mudanças climáticas e a instituição de novas unidades de conservação; instituição, no âmbito do Zoneamento Econômico Ecológico, de indicadores ou zonas de vulnerabilidade às mudanças climáticas.
A legislação apresenta uma série de inovações e propõe ações conjuntas entre os diversos segmentos da sociedade. O artigo 3o, por exemplo, institui a criação do Programa Estadual de Educação sobre Mudanças Climáticas, do Centro Estadual de Educação sobre Mudanças Climáticas, a realização do inventário de emissões do governo estadual, a capacitação de órgãos públicos e instituições privadas, a ampliação do programa de pagamento por serviços e produtos ambientais, a constituição dos programas de servidões florestais e a Bolsa Floresta.
Prevê também o incentivo a instrumentos de mercado para viabilizar projetos de energia limpa e compensar a emissão de gases de efeito estufa em unidades de conservação (UC) estaduais. A lei também aponta a necessidade da realização de monitoramento dos estoques de carbono e de biodiversidade, o fomento à pesquisa voltada para a implementação das atuais áreas protegidas do Estado e a efetivação de novas UC estaduais.
Os autores enumeram outros benefícios para a comunidade incorporar ações mais sustentáveis previstas na lei, como o incentivo a boas práticas ambientais para a agropecuária, incluindo PSA e menores taxas de juros em empréstimos, a concessão de bônus para extensionistas rurais, com base em desempenho ambiental, a criação de um programa estadual de proteção ambiental e de um núcleo de adaptação às mudanças climáticas e gestão de riscos ambientais.
O artigo 5o estabelece a criação do Fundo Estadual de Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, diz onde deveria ser criado, que instrumentos fiscais de incentivo à redução voluntária de emissões de GEE deveriam ser utilizados e afirma que deveria haver incentivo à comercialização de produtos e serviços da floresta.
Bolsa Floresta
Os autores destacam o Programa do Bolsa Floresta, que, posteriormente, viria a ser instituído pelo governo estadual, como um programa de remuneração de habitantes de UC estaduais pelo serviço de preservação da área. Eles salientam o caráter singular do Bolsa Floresta em relação a outras iniciativas voltadas para o combate às mudanças climáticas. Trata-se de “um programa do Governo do Amazonas para reconhecer, valorizar e compensar as populações tradicionais e indígenas do Estado – os guardiões da floresta – pelo seu papel na conservação das florestas, rios, lagos e igarapés. É um benefício repassado para quem ajudar a manter a floresta em pé”.
É o primeiro programa brasileiro de remuneração pela prestação de serviços ambientais feito diretamente para as comunidades que residem nas florestas. O objetivo é prover uma alternativa econômica ao desmatamento, de modo a reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O Bolsa Floresta transfere recursos diretamente para famílias residentes em algumas UC estaduais no Amazonas, faz pagamentos para associações comunitárias presentes nessas unidades e promove capacitação para atividades econômicas sustentáveis, como o extrativismo vegetal manejado e o artesanato. Em troca, essas famílias firmam o compromisso de não desmatar além da área que já desmataram, ressalvadas algumas exceções, o que é acompanhado por monitoramento via satélite.
E os autores concluem que, desta forma, o Bolsa Floresta é um mecanismo de PSA criado para prover um incentivo econômico para que famílias residentes em UC não promovam o desmatamento. “Em princípio, poder-se-ia argumentar que o programa não é adicional, tendo em vista que é realizado dentro de UC, áreas que, por lei, não podem ser devastadas; no entanto, o Brasil é rico de exemplos de UC que se encontram degradadas por atividades econômicas ilegais em seu interior. Desta forma, dada a realidade brasileira, pode-se afirmar que o programa, a despeito de ser realizado em UC, provê um incentivo econômico adicional para a preservação, resultando em benefícios que, em outras circunstâncias, não existiriam.”
Eles complementam, lembrando que, por trás do Bolsa Floresta, acha-se uma lógica de prevenção do dano ambiental, mais especificamente do desmatamento, com o intuito de manter inalterados os serviços ambientais prestados pelas unidades de conservação amazonenses, tais como manutenção do estoque de biodiversidade, regulação climática, preservação da qualidade da água, sequestro de carbono atmosférico. Ainda, por meio do programa, evita-se a emissão de gases de efeito estufa resultante do desmatamento.
O programa possui uma lógica simples, segundo os autores. São incentivos financeiros positivos para a preservação e prevenção do dano ambiental. “Trata-se do uso da lógica capitalista para se evitar a perpetuação de uma dinâmica destruidora causada pela própria maneira como a sociedade de risco se estrutura. Busca-se, desta forma, em princípio, contribuir para evitar que ocorra uma grande crise ambiental baseada no aquecimento global.”
Os pesquisadores explicam como o Bolsa Floresta é gerenciado e financiado. “A gestão do programa cabe à Fundação Amazonas Sustentável, criada nos termos do artigo 6o da Lei 3.135/2007 especificamente para fornecer apoio à implantação da política estadual sobre mudança climática. A Fundação capta recursos privados que, posteriormente, são investidos em fundos fiduciários, de modo que somente os rendimentos do capital aplicado são utilizados para financiar o programa. Desta forma, o número de UC abrangidas pelo programa aumenta de acordo com o volume de recursos captados pela Fundação.”
Eles concluem: “Desta maneira, pode-se afirmar que os mecanismos de PSA visam a corrigir distorções do capitalismo por meio do emprego de um estímulo capitalista para a preservação, levando os agentes econômicos a reavaliar suas decisões em função da existência de incentivos financeiros para a preservação. No contexto da sociedade de risco, trata-se de uma maneira encontrada para reduzir o risco de uma crise ambiental sem, no entanto, alterar os alicerces sobre os quais esta realidade social foi construída”.
A importância estratégica da Amazônia
O Amazonas tem muitos motivos para se mobilizar perante as ameaças do aquecimento global. Os autores chamam a atenção para a importância do bioma amazônico. O risco que se corre com o desmatamento é incalculável. Conforme o artigo, “as florestas do Amazonas auxiliam na regulação do clima no Centro-oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de Argentina, Uruguai e Paraguai. De acordo com o pesquisador Philip Fearnside, cerca de 34% da água levada pelo Atlântico, por meio de chuvas, para a Amazônia retorna à atmosfera por meio da evapotranspiração da floresta e é transportada, por correntes de ar, para aquelas regiões. A ausência da floresta poderia, pois, levar a uma redução das chuvas numa área geográfica em que há grande produção agrícola e grande produção de energia por hidrelétricas”.
Os autores acreditam que a conscientização sobre a problemática do aquecimento global se estabeleceu a partir de 2005. O Estado sofreu muito com uma das maiores secas de sua história. Registrou-se uma acentuada redução de pluviosidade em relação aos anos anteriores. Municípios e comunidades ficaram isolados e sem alimento. Os autores ressaltam que um estudo da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) aponta como prováveis causas da seca o aumento da temperatura no Oceano Atlântico, o aumento das queimadas e outros fenômenos climáticos. O próprio Fearnside, em 2006, reconheceu que há uma relação do efeito estufa com o evento.
Morato Leite e Roessing Neto também comentam que o próprio Estado corre sérios riscos, pois cerca de metade da população do Amazonas está distribuída em outros 61 municípios, cujos habitantes sobrevivem, em sua maioria, do extrativismo vegetal, da pesca e de pequenos cultivos.
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Clique aqui para ler os trabalhos do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Philipp Fearnside.
Por: Redação Planeta Verde
Foto: Silvia Marcuzzo