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Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos

O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS

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16/12/2008

Para deter o desmatamento é preciso superar a pobreza


Na primeira parte de sua entrevista exclusiva à Carta Maior, o secretário estadual de Meio Ambiente do Pará, Valmir Ortega, comenta a reestruturação da área ambiental do governo, a necessidade de dar função econômica à floresta e o programa que vai plantar um bilhão de árvores nativas no estado.

BELÉM – Certamente existem poucos cargos públicos mais espinhosos do que o de secretário de Meio Ambiente do Pará, estado com riqueza natural inigualável, palco dos maiores conflitos socioambientais do país e campeão, ao mesmo tempo, do desmatamento e da floresta ainda intocada. Em toda sua história, o Pará teve com a floresta amazônica uma relação de mão única, que baseou boa parte da economia do estado na degradação de suas riquezas ambientais.

Agora, um dos principais objetivos do governo paraense é deter o desmatamento e dar condições dignas de sobrevivência aos habitantes da floresta. À frente desta missão está o secretário de Meio Ambiente, Valmir Ortega, que coordenada a ampliação de toda a área ambiental no governo da petista Ana Júlia Carepa. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Ortega fala sobre os desafios de sua pasta, sobre o programa do governo que pretende plantar um bilhão de árvores nativas e sobre a necessidade de se aliar o combate ao desmatamento à redução da pobreza. Leia a seguir a entrevista:

Carta Maior – No Fórum Social Mundial de Belém, mais do que em qualquer edição anterior, as questões ambientais, sobretudo aquelas relativas à Amazônia, estarão no centro das discussões. A cobrança internacional por ações contra o desmatamento será forte. O que o Governo do Pará tem a apresentar sobre isso durante o Fórum?

Valmir Ortega – Nos últimos dois anos, o Pará vive uma agenda ambiental muito intensa, pois o governo estadual está investindo de forma brutal e reconstruindo toda sua área ambiental. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente será no ano que vem, em termos de pessoal, três vezes superior ao que era no ano passado. Em termos de orçamento, será oito vezes maior. Isso vem fazendo com que o Estado tenha maior capacidade no combate ao desmatamento. Do ano passado pra cá nós tivemos uma mudança muito forte no padrão das fiscalizações e das operações de combate ao desmatamento. O Pará é o único estado da Amazônia onde se conseguiu desenhar uma estratégia de coordenação efetiva entre o Ibama e a fiscalização estadual e onde a madeira apreendida está sendo efetivamente retirada e leiloada, com o recurso destinado ao fortalecimento da fiscalização e à recuperação de áreas degradadas. Esse esforço de administração integrada entre as esferas federal e estadual foi o suficiente para que impedíssemos o crescimento do desmatamento, pois no início do ano, pelo aquecimento da economia e por diversos fatores externos, havia toda uma sinalização de que poderia acontecer uma explosão do percentual de desmatamento. Aqui no Pará, tivemos em março uma crise muito pesada na cidade de Tailândia, tivemos enfrentamentos em municípios como Altamira, Paragominas, Pacajás e outros. Mas, isso permitiu não somente que o governo impedisse o crescimento da taxa como também assegurasse uma diminuição.

Mas, o desmatamento ainda continua grande no Pará...

Ortega - Apesar de ter crescido um pouco na Amazônia como um todo, o desmatamento diminuiu no Pará este ano. No entanto, mesmo tendo diminuído, o Pará ainda é o maior desmatador em termos absolutos. Quase metade de todo o volume que é desmatado hoje na Amazônia é desmatado no Pará. Isso acontece porque entre os estados que sofrem maior pressão por estarem na borda da Amazônia _ Pará, Mato Grosso e Rondônia _ o Pará é o que tem o maior remanescente florestal. O Pará tem mais de 70% de seu território coberto por vegetação florestal nativa e 52% de seu território em Unidades de Conservação ou Terras Indígenas. Portanto, mais da metade de nosso território é floresta protegida. Mas, é uma floresta sob pressão.

O Governo do Pará tem resultados a apresentar em temas como desmatamento, proteção da floresta e da biodiversidade. Criamos o Instituto de Desenvolvimento Florestal (Ideflor), que fará a gestão de nossas florestas públicas e estamos hoje trabalhando na elaboração de planos de manejo e estratégias de proteção para um bloco de unidades de conservação na região da Calha Norte. Só em florestas estaduais são doze milhões de hectares que, integrados às terras indígenas e as unidades federais, formam um bloco contínuo de floresta de 25 milhões de hectares que estão hoje recebendo investimentos de US$ 3,5 milhões para planos de manejo, estruturação de equipes e organização das comunidades do entorno. A Calha Norte é um território gigantesco, equivalente à metade da França, que está sob a gestão do Estado. Portanto, o Pará, apesar da imagem negativa e de ter ainda uma participação muito grande no desmatamento ilegal, é um estado que tem um volume extremamente alto de floresta legal protegida.

Quais as metas do governo estadual em relação ao combate ao desmatamento?

Ortega - Nosso objetivo é chegar ao desmatamento ilegal zero, mas isso não basta, pois o Pará tem quase 30 milhões de hectares de áreas degradadas, com florestas suprimidas ou alteradas. Para vencer esse desafio, por determinação da governadora Ana Júlia, estamos trabalhando para ter um grande programa de restauração florestal e recuperação de áreas degradadas, que é o programa Um Bilhão de Árvores. Quando falamos de desmatamento no Pará, estamos falando de uma atividade ilegal que movimenta R$ 2 bilhões por ano na nossa economia, que gera renda para mais de 250 mil pessoas. Nós temos casos de municípios de pequeno porte onde 70% da economia depende de alguma forma da extração ilegal e irregular de produtos da floresta. Portanto, não estamos falando de uma atividade que possamos combater apenas com repressão e com a polícia, mas que demanda também alternativas econômicas que sejam capazes de mobilizar recursos na casa dos bilhões de reais. O passivo ambiental do Pará gira em torno de cinco milhões de hectares, e nós assumimos o desafio de recuperar 20% desse passivo. Nossa meta é recuperar, nos próximos cinco anos, um milhão de hectares hoje degradados com o plantio de um bilhão de árvores nativas.

Esse plantio terá fins econômicos, mas cumprirá as funções ecológicas que se esperam de uma floresta nativa. O objetivo é desenvolver modelos de exploração da floresta nativa que tenham rentabilidade econômica para a extração de madeira, fibras, óleos, frutos e outros produtos que possam gerar renda e melhoria na qualidade de vida das populações rurais. Estimamos um custo de investimento para o programa Um Bilhão de Árvores de R$ 5 bilhões nos próximos cinco anos. Esses recursos virão de investimentos públicos e de investimentos privados. O nosso maior desafio é canalizar os recursos públicos, que muitas vezes são destinados a atividades pouco amigáveis com floresta, para a restauração florestal. Além disso, foi criada, numa articulação com o governo federal, uma linha de financiamento para médios e grandes produtores, que é o FMO Biodiversidade. Essa é uma linha de financiamento exclusiva para recuperação de passivos ambientais, com taxas de juros muito baratas e condições muito favoráveis. Temos hoje no Pará uma margem de captação de um bilhão de reais por ano.

Qual o atual estágio do programa?

Ortega - Nós conseguimos criar os instrumentos financeiros necessários e estamos definindo a base técnica e científica para identificar as espécies que tenham maior rentabilidade e sejam capazes de cumprir suas funções ecológicas. O governo imagina que, com isso, conseguirá induzir uma atividade de recuperação florestal que seja capaz de gerar uma dinâmica econômica do mesmo porte da gerada hoje pela degradação da floresta. Isso também vai nos permitir ter maior capital político e social para fazer um enfrentamento cada vez mais duro com a ilegalidade. Temos que ter uma porta de saída para as centenas de milhares de pessoas que hoje dependem diretamente da degradação da floresta. Para deter o desmatamento, é preciso superar a pobreza, pois o Pará é um estado que tem quase 50% de sua população abaixo da linha da pobreza. Combater a pobreza e proteger a floresta são os dois grandes objetivos do governo.

“Caos fundiário é o maior problema ambiental do Pará”

Na segunda parte de sua entrevista exclusiva à Carta Maior, o secretário estadual de Meio Ambiente do Pará, Valmir Ortega, aponta a desordem fundiária e a conseqüente grilagem de terras como o maior problema ambiental do estado, à frente da pecuária extensiva e da monocultura da soja. Às vésperas do Fórum Social Mundial, que acontecerá em Belém entre os dias 27 de janeiro e 1º de fevereiro do ano que vem, Ortega aborda criticamente a posição do Brasil em relação às mudanças climáticas e comenta o desenvolvimento do mercado de créditos de carbono. O secretário fala também sobre a pressão dos biocombustíveis sobre o Pará e a floresta amazônica como um todo. Leia a seguir a entrevista:

Carta Maior – O aumento da produção de biocombustíveis no Brasil e a conseqüente pressão exercida sobre a Amazônia estarão entre os principais temas ambientais do Fórum Social Mundial. Qual sua avaliação sobre a pressão dos biocombustíveis no Pará?

Ortega – O tema dos biocombustíveis no Pará ainda é um tema nascente. Embora o estado seja o maior produtor de palma de dendê do Brasil, nosso dendê hoje não é transformado em combustível, pois 99% da produção é destinada a produtos alimentícios, como óleo, manteiga e outros subprodutos. Esse é um dilema para quem vê o biocombustível produzido a partir da palma como uma alternativa econômica porque, tanto na Europa quanto no Brasil, é crescente a demanda por produtos alimentícios derivados da palma, como o óleo livre de gorduras trans, etc.

Muitas empresas já manifestaram o desejo de expandir suas produções no Pará e o estado tem todas as condições para isso, mas não queremos repetir o exemplo da Indonésia e da Malásia, onde tivemos gigantescas áreas de floresta suprimidas para a expansão da palma. Acredito que não existem condições para que esse cenário se repita hoje no Brasil, porque temos governança e capacidade de organizar o território. Mesmo assim, há um conjunto de preocupações associadas, pois geralmente são plantios extensivos, monoculturais e que, em alguma medida, podem levar à concentração fundiária em algumas regiões. O governo tem ouvido atenciosamente os potenciais investidores que tem vindo ao Pará discutir investimentos na produção de palma. É óbvio que receberemos qualquer investimento, mas com todos os cuidados necessários para evitar os riscos de homogeneização excessiva da paisagem, concentração fundiária e quebra da estrutura de pequenas propriedades que temos em algumas regiões do estado.

Nós temos no Pará hoje 20 milhões de hectares de pasto de uma pecuária com baixíssima produtividade por hectare e causadora de danos ambientais brutais. São pastos sem manejo, sem curva de nível e sem proteção de solo. Estamos perdendo alguns milhões de toneladas de solo produtivo por ano, que estão sendo drenados e causam a degradação e o assoreamento de nossos rios, por conta de uma pecuária de baixa qualidade de manejo e baixa produtividade. Portanto, comparado com a pecuária que temos hoje, o plantio da palma representaria um ganho ambiental para algumas regiões do Pará, mas ele tem que ser feito de forma a evitar outros riscos como o avanço sobre a floresta nativa e a concentração fundiária.

Em relação ao álcool, existe na Amazônia o temor de que um avanço desordenado do plantio da cana-de-açúcar venha pressionar a floresta, mas esse temor pode ser estendido para qualquer atividade de monocultura intensiva, como soja, algodão, etc. Não considero mais a cana como um risco para a Amazônia porque a conjuntura nacional indica que não há ambiente econômico para essa expansão hoje. O eixo produtivo do Centro-Sul do país não vai querer manchar sua imagem em nível internacional ao permitir uma produção que ameace a floresta. De toda forma, o debate da cana tem que ser travado em escala nacional, pois não adianta “salvarmos” a Amazônia da cana se, por outro lado, vai aumentar a pressão sobre o Cerrado, que também se encontra fortemente ameaçado.

Como a complicada situação fundiária do Pará tem influenciado o desenvolvimento das políticas públicas da área ambiental?

Ortega - Esse talvez seja o tema mais intensamente discutido no âmbito do governo estadual e entre os governos estadual e federal. O maior problema ambiental do Pará é o caos fundiário. O motor do desmatamento aqui não é o boi nem são as atividades produtivas, mas sim a grilagem de terras. O que dá viabilidade econômica para a pecuária de baixíssima produtividade que temos em algumas regiões do estado é a incorporação do ganho obtido com a especulação imobiliária e a apropriação indevida de terras públicas. O grileiro usa a pecuária como o cachorro que faz xixi para demarcar seu território. Primeiro, ele ocupa uma área, desmata, degrada, extrai ilegalmente a madeira e transforma todo o resto em carvão. Depois, ele precisa botar o boi como uma bandeirinha para dizer que aquela área é dele e tem utilidade econômica. Regularizar a posse da terra no Pará, assim como em toda a Amazônia, é uma tarefa fundamental.

O que o Brasil fez nos últimos seis anos serve de exemplo para qualquer país do mundo, podemos discutir isso no Fórum Social Mundial ou em qualquer outra esfera. Aqui no Pará, nós redefinimos o uso do solo e colocamos sob proteção, seja em florestas ou terras indígenas, algo próximo de 30 milhões de hectares, área superior a de alguns países da Europa. Se levarmos em conta a redefinição do uso do solo feita nos último cinco anos na Amazônia inteira, isso se aproxima dos 70 milhões de hectares. Muitos criticam, dizendo que essas ações de proteção só existem no papel, o que em parte é verdade, mas a simples inclusão de terras em Unidades de Conservação ou qualquer outro tipo de área protegida já faz com que essas terras não sejam mais passíveis de ocupação ilegal e saiam do mercado da grilagem.

Existem duas políticas relativas ao desenvolvimento florestal que encontram alguma dificuldade em deslanchar. Uma delas, em nível nacional, é a gestão de florestas públicas. A outra é o estabelecimento de um mercado internacional de carbono. Qual sua avaliação sobre essas duas políticas?

Ortega - Em relação às florestas públicas, nós criamos no Pará o Ideflor (Instituto de Desenvolvimento Florestal), mas, de fato, essa agenda tem andado mais lentamente do que imaginávamos. Aqui temos, em parceria com o Serviço Florestal Brasileiro, várias áreas em preparação, e acredito que no ano que vem as concessões para gestão de florestas acontecerão normalmente no Pará. Há muito o que fazer ainda, pois a identificação das áreas, a delimitação, a preparação dos processos de concessão é, e tem que ser, muito cuidadosa. Eu diria que resultados mais expressivos em escala e em volume nós vamos ter no final de 2010 ou início de 2011. Portanto, 2009 e 2010 ainda serão anos de muito trabalho e poucos resultados, que serão colhidos depois.

Em relação ao mercado de carbono, o Brasil vem tentando construir uma posição importante, seja no debate nacional ou internacional, mas eu também diria que nós poderíamos estar avançando mais rápido, sobretudo no desafio de constituir metas voluntárias para o país e de ter um inventário mais transparente das emissões brasileiras. Também podemos avançar na preparação dos estados e municípios para adotar uma agenda conseqüente com redução de emissões ou uma economia de baixo carbono. Por enquanto, o Brasil tem uma postura de debate ativo no cenário internacional, como demonstrou na reunião sobre mudanças climáticas da ONU que acaba de se encerrar na Polônia, mas até aqui vinha prevalecendo a visão de que o país não pode fazer reduções imediatas de suas emissões porque nós precisamos nos desenvolver e precisamos de uma margenzinha para emitir carbono e crescer nos próximos anos.

Esse discurso do Brasil fez com que nos últimos anos a gente não avançasse com esse debate significativamente do ponto de vista nacional, pois foi criada a sensação de que reduzir emissões não é urgente no país. Acho que o Brasil tem que continuar a cobrar metas obrigatórias dos países que têm emissão histórica maior, mas nós poderíamos também estipular metas voluntárias e criar um processo de mobilização interna no país, de engajamento das empresas e do setor produtivo, que pudesse apresentar resultados e cobrar desempenho dos segmentos, dos setores e dos estados.

Por: Maurício Thuswohl
Fonte: AmbienteJá/Carta Maior


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