Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
17/12/2008
SC: O fenômeno é natural, mas a intensificação pode ser conseqüência do aquecimento global
O que ocorreu em Santa Catarina não pode ser ainda considerado uma conseqüência do aquecimento global, segundo o meteorologista Carlos Nobre. Porém, precisamos ficar atentos, pois as mudanças climáticas tendem a intensificar esses danos causados por fenômenos naturais extremos.
Chega a 126 o número de mortos em decorrência das chuvas intensas que provocaram enchentes, deslizamentos e destruição no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Um desastre que deixa lições e que provoca reflexões acerca dos fenômenos naturais e a relação com o aquecimento global. Para o professor Carlos Nobre, é muito cedo ainda para afirmar que o que ocorreu em Santa Catarina é uma conseqüência do aquecimento global, mas que essa alteração no clima da terra pode provocar aumento da freqüência e da intensidade desses fenômenos naturais. “Não é que o fenômeno passe a acontecer porque o aquecimento global está ocorrendo no Planeta, mas os fenômenos que naturalmente ocorriam passam a se manifestar com mais intensidade”, avaliou Nobre em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
O doutor em Meteorologia diz que precisamos observar com mais freqüência essas ações da natureza, pois há apenas 50 anos o Brasil mantém registros dos fenômenos naturais que ocorrem. “Idealmente, gostaríamos de analisar cem anos de dados, aí sim poderíamos claramente ver como o clima está mudando”, afirmou ele, que destaca, ao mesmo tempo, que esta tragédia nos deixa a lição de que é preciso conter o desmatamento e recuperar as áreas atingidas de modo que não se permita mais a expansão urbana em áreas de risco.
Carlos Afonso Nobre é professor no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. É graduado em Engenharia Eletrônica, pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, com mestrado em Meteorologia, pela Massachussets Institute Of Technology e pós-doutorado pela University Of Maryland. É autor de Amazonian deforestation and climate (New York: John Wiley and Sons, 1996)
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Esse tipo de fenômeno que ocorreu em Santa Catarina está dentro das previsões das conseqüências que o aquecimento global trará?
Carlos Nobre – A existência de um fenômeno desse tipo (chuvas contínuas e de grande volume) vem acontecendo desde o século XIX, pelo menos, quando a região começou a ser mais densamente ocupada. Por isso, a ocorrência desse fato não é uma conseqüência do aquecimento global. O que estamos começando a ver em escala muito mais ampla no Planeta é que o aquecimento global faz com que os fenômenos extremos aconteçam com mais freqüência ou mais intensidade e, ainda, das duas formas juntas. Aqueles fenômenos que têm a ver com ciclo hidrológico acontecem dos dois lados, ou seja, com chuvas mais intensas e freqüentes e secas mais intensas e freqüentes. Então, quando olhamos o registro do Sul do Brasil, percebemos que nos últimos dez anos têm ocorrido chuvas e secas mais intensas do que há 50 anos. Isso é uma característica bastante comum em todo o Planeta e é um sinal do aquecimento global. Não é que o fenômeno passe a acontecer porque o aquecimento global está ocorrendo no Planeta, mas os fenômenos que naturalmente ocorriam passam a se manifestar com mais intensidade.
Se olhássemos só o lado das chuvas, talvez fosse mais difícil conseguirmos imaginar que o aquecimento global esteja operando. Quando vemos que ambos estão acontecendo de maneira extrema, passamos a dizer que talvez essa exacerbação dos fenômenos já seja um efeito do aquecimento global. Eu digo talvez porque infelizmente no Brasil os registros meteorológicos climáticos não são muito longos. Idealmente, gostaríamos de analisar cem anos de dados. Então, poderíamos claramente ver como o clima está mudando. Mas temos 50 anos de dados, que não podem ser considerados um período curto. Como existem muitas variabilidades naturais no clima do Planeta que ocorrem na escala de algumas décadas, 50 anos nos deixam na margem de poder dizer algo mais conclusivo sobre uma tendência em relação ao aquecimento global. No entanto, as características do que temos visto levam a pelo menos colocar como uma hipótese de trabalho bastante razoável que os fenômenos climáticos extremos já estejam acontecendo com mais intensidade e freqüência como uma resposta do sistema climático ao aquecimento global.
Que peculiaridades têm Santa Catarina para viver fenômenos como essas enchentes e o furacão Catarina? É um estado que está mais suscetível a este tipo de problema?
Nobre – O furacão Catarina foi o primeiro furacão observado no Atlântico Sul. Não podemos dizer que ele foi o primeiro furacão que ocorreu no Atlântico Sul porque o sistema de observação é muito recente. Mas não há outras evidências de furacões nessa região. Ciclones extra-tropicais acontecem todos os anos; é um fenômeno comum do Atlântico Sul. Só que os ventos de um ciclone extra-tropical atingem no máximo 90 quilômetros por hora. Um furacão começa a ser denominado dessa forma quando a velocidade máxima dos ventos passa de 120 quilômetros por hora, e os picos de velocidade dos ventos do furacão Catarina atingiram 150 quilômetros por hora. Então, claramente foi um furacão, e os estudos científicos que se seguiram mostraram que se tratou desse fenômeno.
É algo muito incomum porque começou como um típico ciclone extra-tropical desta região do Brasil e se furacão Catarina transformou no meio de sua existência num furacão tropical exacerbado. Não podemos categoricamente afirmar que isso seja um efeito do aquecimento global, mas logicamente chama a atenção. Eventos extremos acontecem em muitas regiões subtropicais no Planeta, que é onde se dá um encontro de massas de ar (um ar úmido e quente vindo das regiões equatoriais e um ar frio e seco vindo das latitudes médias e mais altas). No encontro dessas massas de ar tão diferentes, formam-se condições para eventos extremos de tempo. Além disso, a forma dos Andes permite a canalização de um ar quente e úmido que vem da Amazônia e desce paralelo aos Andes. Esse ar se encontra com um ar mais frio e seco, que também está canalizado nos Andes e vem do sul. Esse encontro acontece nas regiões subtropicais, o que faz com que ocorram fenômenos extremos. Essa é uma razão geral de fenômenos muito extremos acontecerem nas latitudes típicas de Santa Catarina.
Há outras razões também e, portanto, nós precisamos dizer que essa é uma região em que há uma manifestação muito grande do fenômeno El Niño, que é um fenômeno de aquecimento das águas do oceano Pacífico e tem uma repercussão global, em particular no Sul do Brasil, no nordeste da Argentina, no Uruguai e no sul do Paraguai. Nessas regiões, há uma tendência de frentes frias que causam muitas chuvas estacionárias. As enchentes em Santa Catarina em 1986 foram uma decorrência dessa situação do El Niño.
É possível prever fenômenos como esse que causou as enchentes em Santa Catarina?
Nobre – É possível antever, na escala de previsão de tempo, o que conseguimos fazer com excelência no Brasil, com até cinco dias de antecedência. Então, essa conjunção de sistemas meteorológicos tem previsões muito boas com alguns dias de antecedência. Quando o fenômeno é de escala muito grande, conseguimos ter alguns elementos de que pode haver chuvas acima da média com alguns meses de antecedência. Porém, não podemos precisar em que dia ou semana essas chuvas vão ocorrer. Por exemplo, fenômenos El Niño intensos têm causado inundações e chuvas acima da média na primavera no sul do Brasil. Isso é um padrão climático bem conhecido. Havendo um fenômeno El Niño intenso, as autoridades e a Defesa Civil já precisam ficar preparadas.
Porém, não foi o caso de 2008. Não há um El Niño atuante. Por isso, não tivemos condições de prever o caso deste ano com antecedência. Isso ocorreu também em 1984, quando não houve fenômeno El Niño e ainda assim houve uma conjunção de fatores meteorológicos que levou à ocorrência de grandes inundações.
O que é preciso fazer para que uma tragédia como essa não volte a acontecer?
Nobre – Do ponto de vista climático, não há nada a fazer. O que devemos fazer globalmente é evitar que esse tipo de desastre natural se torne mais intenso ainda e mais freqüente no futuro com um planeta mais quente. Por isso, precisamos reduzir o risco do aquecimento global. Isso só se dá através da diminuição de gases de efeito estufa, um esforço que é de todo o Planeta. Isso pode e deve ser feito, porque o risco é muito grande. A sociedade precisa se preparar melhor, porque não é possível evitar em fenômeno natural. É preciso registrar que o sistema de Defesa Civil de Santa Catarina, em função inclusive dessas inundações e outros fenômenos, é um dos mais desenvolvidos do Brasil. Se não o fosse, os efeitos desses desastres naturais teriam sido ainda maiores. É lógico que o Poder Público tem a obrigação de disciplinar melhor o uso da Terra. De 1983 para cá, vimos um “espalhamento” de pessoas em áreas de risco. As pessoas se colocaram em posição de vulnerabilidade frente a um fenômeno desse tipo. Assim, é importante dizer que o uso do espaço urbano seja feito com muito mais critério para impedir que as pessoas morem em zonas de risco. Isso não é um problema exclusivo de Santa Catarina, mas de todo o Brasil.
Que lições a tragédia de Santa Catarina nos traz?
Nobre – Eu acho que não podemos atuar nas causas dos sistemas climáticos. O que podemos fazer é minimizar seus efeitos. Para isso, precisamos diminuir a exposição das pessoas ao risco. Portanto, é muito importante que as pessoas sejam disciplinadas, e esse desastre natural seja um ponto de reflexão para que não se permita expansão desordenada do processo de urbanização. A lição que fica é que precisamos diminuir o desmatamento, que é um fator de contenção de desastres naturais. Além disso, é preciso que se recuperem áreas que já foram desmatadas, pois essa é uma ação importante para mitigar a intensidade dos desastres naturais.
Fonte: AmbienteJá/Instituto Humanitas Unisinos