Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
23/12/2008
Vale do Itajaí: a fórmula da tragédia
Até agora, foram confirmadas 128 mortes e mais de 30 mil pessoas seguem desabrigadas ou desalojadas. Deveríamos tirar desse caso trágico lições para o Brasil.
Desmatamento, ocupações irregulares em encostas e topos de montanhas, habitações à beira de rios, rodovias mal localizadas, um solo morfologicamente frágil, somados a chuvas intermitentes seguidas de uma tempestade de 500 mm – 300 bilhões de litros d’água. Esta foi a fórmula da tragédia do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, no sul do Brasil. A pior enchente da história, superando, inclusive, as dos anos de 1983 e 1984, provocadas por 200 mm de chuva. Até agora, foram confirmadas 128 mortes e mais de 30 mil pessoas seguem desabrigadas ou desalojadas (chegaram a ser 50 mil).
Esta Tragédia poderia ter sido minimizada. Um dos fatores que contribuíram indiretamente para agravar os efeitos dessa catástrofe foi o desmatamento. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre 2000 e 2005, o Estado desmatou uma área equivalente à cidade de Florianópolis. Boa parte ocorreu exatamente em áreas de encostas e morros: áreas de maior risco de desmoronamento, uma vez que o desmatamento deixa o solo exposto.
Os quatro berços de atracação do Porto de Itajaí, o maior porto de produtos refrigerados da America do Sul, estão danificados. Fazendas de gado foram devastadas, pescadores presos à praia, fazendas marinhas destruídas. O prejuízo econômico ainda é incalculável. Somente a companhia habitacional do Estado estima que serão necessários R$ 45 milhões para reconstrução das casas.
Considerando todos esses fatores, fica evidente o grau de vulnerabilidade da região e a necessidade urgente de medidas capazes de mitigar os efeitos da rápida mudança no uso do solo e, mais recentemente, dos eventos climáticos extremos, como os que contribuíram para a catástrofe de Santa Catarina.
Medidas de adaptação
A situação requer que sejam tomadas medidas de adaptação aos eventos extremos. Percebe-se, no entanto, que o foco das medidas ainda é reativo, e não preventivo. O Sistema de Alerta para o risco de inundações não funcionou. Se tivesse funcionado seria possível se antecipar no atendimento às vítimas e possivelmente evitar muitas mortes. A realização de obras civis para contenção e escoamento das águas e melhor estrutura de funcionamento da Defesa Civil para atuar com casos de deslizamentos ou enxurradas também são fundamentais para atender a situações de maior complexidade e gravidade.
As diretrizes de gestão ambiental, em particular as de recursos hídricos, precisam ser cumpridas e ampliadas, como o fortalecimento e efetividade dos Comitês de Bacias Hidrográficas. Pouco ou nada se discute sobre a manutenção dos “equipamentos ambientais” - aqui entendidos como as áreas de proteção aos recursos hídricos, como nas áreas de cabeceiras, matas ciliares, encostas e cumes de montanhas - e reflorestamento de áreas prioritárias. Medidas que ajudam a proteger o solo e evitam que as chuvas virem enxurradas.
Neste caso de calamidade pública, sem dúvida é preciso reconstruir. O povo catarinense tem mostrado ao Brasil a sua capacidade de reação, solidariedade e luta em condições adversas. Mas é preciso repensar como e onde irá ocorrer essa reconstrução.
Na contramão dos fatos, no âmbito do poder público, é preocupante a proposta do Executivo enviada à Assembléia Legislativa do Estado, que institui o Código Estadual de Meio Ambiente, por meio do PL 0238/2008. Uma das medidas mais criticadas é a redução das áreas de preservação permanente ao longo dos rios, a desconsideração de áreas de declive, topos de morro e nascentes.
Se aprovado dessa forma, apesar do nome Código Ambiental, o instrumento manterá o modelo tradicional – e equivocado – de uso e ocupação do solo que ocorre no Brasil, aumentando, ainda mais, o quadro de degradação e vulnerabilidade socioambiental como já verificado nessa catástrofe no Vale do Itajaí.
Ocupação desordenada
No âmbito Federal, o Governo investe recursos a serem aplicados pelos municípios para manter o mesmo modelo de ocupação desordenada das cidades, com seus planos diretores que desrespeitam o Código Florestal.
Deveríamos tirar, desse caso trágico, lições para que o Brasil se qualifique e se estruture para enfrentar eventos dessa natureza, considerando que uma das conclusões dos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) é que eventos extremos ocorrerão com maior freqüência e intensidade. O desafio é reduzir ao máximo a vulnerabilidade.
Foi aprovado recentemente o primeiro Plano Nacional de Mudanças Climáticas, mas ele ainda é insuficiente para lidar com os desafios brasileiros, em especial no que tange à adaptação às mudanças climáticas.
O WWF-Brasil enviou um repórter ao local da tragédia, com o objetivo de registrar os eventos e colher depoimentos de pessoas atingidas, especialistas e oficiais de governo. O que se viu foi estarrecedor.
O aprendizado com esta tragédia, bem como as medidas de mitigação, adaptação e governança discutidas servirão de subsídios para atuação do WWF-Brasil, e de alerta para grupos interessados na defesa da vida e do clima no Brasil.
Por: Gilberto Viegas
Fonte: Portal do Meio Ambiente/EcoAgência / WWF Brasil.