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Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos

O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS

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29/07/2010

Oceanos mais quentes são ameaça


No dia em que novos estudos da agência de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (NOAA) mostravam que temperaturas recordes estão sendo atingidas nos mares ao redor do planeta, Edmo José Dias Campos, professor titular de oceanografia física do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo dava um alerta semelhante durante a 62º reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre em Natal (RN) esta semana. Em uma palestra sobre as ameaças das mudanças climáticas aos oceanos, ele mostrou que existem evidências de que as águas do Atlântico Sul estão mais quentes, o que aumenta a possibilidade de furacões no Brasil. Campos, que é um dos autores do capítulo sobre oceanos do próximo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática (IPCC - WG1 – AR5), explica nesta entrevista que será possível prever e adaptar-se ao aumento do nível do mares. Leia os principais trechos.

Por que a temperatura dos oceanos está aumentando?

Edmo Campos - A temperatura do oceano está aumentando porque existe um processo chamado efeito estufa, que é a retenção da radiação de onda longa que o planeta retransmite de volta ao espaço para manter o equilíbrio termodinâmico. Com o aumento da concentração de gases que produzem o efeito estufa, você passa a aprisionar uma maior quantidade de calor na atmosfera e esse calor eventualmente aquece a atmosfera e o próprio oceano. O excesso de calor na superfície do oceano vai ser transportado pela circulação, pelos movimentos das águas em direção ao fundo de outras regiões, de tal maneira que ao longo do tempo você tem um aumento da temperatura global do oceano. Aí entra inclusive uma observação, o oceano tem uma capacidade térmica maior do que o restante do sistema, isso faz com que essas mudanças sejam mais lentas, o que nos permite adaptar às mudanças. Então, apesar do oceano estar aumentando sua temperatura, essa mudança é lenta. E por ser lenta nos dá tempo de procurar meios de nos precavermos para as eventuais mudanças que vêm por aí.

Quais as principais consequências do aumento da temperatura dos oceanos sobre o clima global?

Campos - O aumento da temperatura dos oceanos pode resultar em vários efeitos, que podem ser medidos em termos dos impactos no resto do sistema climático. Um deles é o aumento do nível do mar. Se a temperatura do oceano aumenta, fatalmente haverá aumento do nível do mar, seja por expansão volumétrica ou por aumento de massa devido a degelo de camadas polares ou dos gelos continentais. Outro efeito também importante, mas que muitas vezes não é comentado é na interferência do pH. A água do mar é básica, aumentando a temperatura - resultante do aumento do CO2 na atmosfera – vai aumentar a acidez e isso implicará em uma interferência muito drástica no ecossistema. Para começar, uma possível redução na biodiversidade. Sem contar que com o aumento na acidez, você vai ter uma redução na capacidade oceânica de absorver o CO2. Isto levará a um aumento da temperatura e em maior acidificação. Portanto essa é uma das questões importantes do ponto de vista biogeoquímico. Além disso, o aumento na temperatura do oceano também interfere no padrão de circulação do oceano. Uma vez que se altera o padrão de circulação do oceano, vão ocorrer mudanças na forma como o oceano contribui para a redistribuição do calor e com alterações na temperatura local de algumas regiões. Algumas áreas ficarão mais frias do que são hoje e outras mais quentes. É bastante difícil de se prever, porque são processos não lineares complexos. Apesar de não serem previsíveis, sabemos que vai ocorrer. Quando, onde e como é difícil de se responder, mas que vão, vão.

Apesar dessa dificuldade de previsão, já é possível notar mudanças no padrão aqui no Atlântico Sul?

Campos - Exatamente. Um estudo realizado por pesquisadores da Alemanha e África do Sul mostra que está ocorrendo uma modificação no padrão de circulação atmosférica no Atlântico Sul devido ao aumento no importe de águas do Índico pro Atlântico Sul. Isto está alterando as propriedades físicas e dinâmicas do Atlântico Sul. Consequentemente, vai implicar em uma mudança no padrão oceano-atmosfera, com efeitos no clima regional. Ou seja, ainda estamos tentando entender como isso vai acontecer. Porém é quase um fato inegável que irá acontecer. Não sabemos a intensidade e quais as áreas que serão realmente atingidas, mas com certeza já podemos esperar por alguma coisa. Por isso é necessário estudar e monitorar para entender o que vai acontecer. E assim poder tomar medidas preventivas ou adaptativas, porque modificar o que está acontecendo a gente não tem capacidade.

É possível afirmar que com essas mudanças o Brasil estará na rota dos furacões?

Campos - Falando de forma muito simplista, caso se confirme que as águas do Atlântico Sul estão ficando mais quentes há um aumento na probabilidade de ocorrerem mais Catarinas. Com a temperatura maior, a ocorrência de um ciclone extra-tropical na região pode resultar numa intensificação e eventualmente num novo furacão. Com o aumento da temperatura pode-se esperar inclusive um aumento no numero de furacões e queiramos ou não, estamos no clube dos furacões, como o Catarina. E podemos ser mais ativos se confirmarmos o aumento na temperatura na região.

Se confirmadas todas essas evidências, a situação ficará ainda mais complicada, porque o senhor explicou que os oceanos demoram muito pra “desaquecer”.

Campos - Se pararmos todas as emissões de carbono hoje, o sistema já foi afetado, então ele vai continuar se alterando. O que podemos fazer é reduzir o aumento da temperatura, mas vai ter um aumento e todas as evidências parecem indicar que não há outra esperança. Agora, pode-se reduzir o cenário de mais feio pra menos feio. Então, face a esse fato inegável, temos que entender quais são essas mudanças, como elas vão realmente afetar os ecossistemas, o ambiente onde vivemos, para que se possa adaptar e aprender a viver com esse novo clima, essa nova realidade que vem aí.

E pra isso é necessário investir em pesquisas...

Campos - Você tocou num ponto muito importante. A observação meteorológica de eventos naturais no continente, apesar de caro, é mais simples porque vivemos no continente. Na minha área de pesquisa temos que pesquisar nos oceanos e em regiões profundas, inóspitas. Eu não diria que é tão difícil quanto, mas chega a ser um tanto complicado quanto explorar o espaço. Observar fenômenos que ocorrem a 4, 5 mil metros de profundidade não é uma tarefa simples nem barata. Isso implica recursos de grande monta, navios oceanográficos e o Brasil infelizmente tem se recusado a entender essa necessidade. Achamos que pelo fato de termos o inestimável apoio da Marinha nas nossas pesquisas estamos cobertos e não necessitamos de mais nada. É um engano. Precisamos de navios oceanográficos civis, instituições civis desenvolvendo pesquisas oceanográficas, monitoramento oceanográfico, independentemente do apoio da Marinha, que é e sempre será bem vindo, mas não pode ser o único. Temos que lutar para convencer nossos tomadores de decisão de que é imperativo entendermos o Atlântico Sul e para isso é imperativo que tenhamos recursos observacionais à altura daqueles, como por exemplo possui a África do Sul ou mesmo a Argentina. Estamos inclusive atrás da Argentina em termos de meios flutuantes para a realização de pesquisa oceanográfica.

Como ocorre a parceria com a Marinha

Campos - A Marinha tem ajudado com algumas embarcações. Aqui na região tropical do oceano ela tem nos dado um apoio muito importante com o navio Antares. Recentemente o Brasil adquiriu num consórcio entre MCT e M Defesa, o navio Cruzeiro do Sul, que será usado pela Marinha (hidrografia etc) e pela comunidade oceanográfica. Ao se adquirir um navio tem que se pensar em quem vai operar e obviamente a Marinha tem essa capacidade. O lado ruim disso é que a Marinha tem a uma política própria de uso de um meio flutuante. É muito difícil realizar um projeto de pesquisa com o mesmo grau de flexibilidade de um navio civil. Não dá para tomar decisões que não tenham sido programadas nos mínimos detalhes. A quantidade de pesquisadores que podem embarcar é sempre mais reduzida que num navio civil. Além disso o número de dias de navio disponíveis para pesquisa é reduzido. O Cruzeiro do Sul, por exemplo, tem cerca de apenas 80 dias por ano para pesquisas por instituições civis. No caso de um navio civil esses impedimentos ficam reduzidos, pode-se ter um número maior de pesquisadores e estudantes a bordo. Você pode programar pesquisas com maior grau de flexibilidade. Existem fenômenos que ocorrem no oceano que não são previsíveis mas são muito importantes de serem entendidos. Muitas vezes, durante um cruzeiro oceanográfico, você se depara com essas feições e gostaria de alterar seu planejamento para atender aquela oportunidade. Num navio da Marinha isso é muito difícil, mas em um navio civil seria algo simples, porque depende da decisão do investigador chefe. Este e outros aspectos fazem com que seja fundamental a existência não só de navios civis, mas de um programa brasileiro que buscasse identificar as linhas de ação prioritárias em termos de oceanografia para o país e até mesmo criação de algum tipo de organismo estatal que coordenasse os ações e estudos oceanográficos nos moldes, por exemplo, da agência oceanográfica atmosférica dos EUA (NOAA), responsável em organizar e coordenador pesquisas oceanográficas dos Estados Unidos.

Fonte: O Eco/ Mônica Montenegro - Editora do programa Salão Verde, da Rádio Câmara, e está em Natal cobrindo a 62a Reunião da SBPC


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