Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
30/09/2010
Defensoria Pública de São Paulo incorpora mudança climática em ACP relacionada às enchentes de São Luiz do Paraitinga: Confira entrevista
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública, com pedido liminar, contra o Município de São Luiz do Paraitinga e Estado de São Paulo alegando, em síntese, que o aniquilamento e assoreamento da calha do Rio Paraitinga e as várias cheias sucessivas do referido rio indicavam que a enchente que assolou a cidade na passagem do Ano Novo de 2009/2010 era previsível.
Atuaram na ação os Defensores Públicos Wagner Giron de La Torre e Thais de Assis Figueiredo Guimarães. O processo tem o número 579.10.000546-6. No site do Projeto, em Documentos, está disponível a inicial da ACP e, em jurisprudência, a decisão liminar.
Na inicial da ACP, os Defensores Públicos citaram trabalho do jurista ambiental Tiago Fensterseifer intitulado “A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS ÀS PESSOAS ATINGIDAS PELOS DESASTRES AMBIENTAIS OCASIONADOS PELAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS”, escrito com exclusividade para o Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos.
“(...) É importante deixar claro que, muitas vezes, a exposição de determinados indivíduos e grupos sociais aos efeitos negativos das mudanças climáticas é potencializada não apenas pela omissão do ente estatal em adotar políticas públicas suficientes ao enfrentamento das causas do aquecimento global, mas porque, num momento anterior, também o Estado foi omisso em garantir o acesso aos direitos sociais básicos da população carente, aumentando a vulnerabilidade de tais pessoas nos episódios climáticos. Nesse sentido, a falta de acesso a uma moradia simples e segura pode fazer com que determinados indivíduos e grupos sociais venham a ocupar áreas de risco ambiental por absoluta falta de opção, já que não dispõem de recursos financeiros para se instalarem em outra localidade, sendo, em decorrência disso, vitimados por enchentes e desabamentos de terra. Em outras palavras, o problema social que antecede a questão climática configura-se como fator determinante para a vulnerabilidade existencial e jurídica de tais pessoas em situações de desastre natural. A ‘dupla omissão’ do Estado verificada no exemplo em questão resulta de sua conduta omissiva ou insuficiente em assegurar a tais pessoas o acesso às prestações sociais básicas indispensáveis a uma vida digna quanto à qualidade (e segurança) do ambiente. O Estado, no caso, omitiu-se em relação aos seus deveres de proteção para com os direitos fundamentais sociais e do direito fundamental ao ambiente de tais pessoas”. (op. Cit., p.20).
A seguir, confira entrevista com o Defensor Público Wagner Giron de La Torre:
1. A Defensoria Pública do Estado de SP está buscando a responsabilização do Estado de São Paulo e do Município de São Luis do Paraitinga em virtude dos danos causados pelas enchentes ocorridas no último réveillon. Quais são os principais fundamentos para a responsabilização?
As responsabilidades, objetivas, dos Poderes Públicos, do Estado e Município, no caso da tragédia ambiental eclodida em S. Luiz do Paraitinga/SP no início do ano, se prende a diversos fatores.
O primeiro, talvez o mais relevante, seja a constatação, como causa do excessivo extravasamento de águas, da ausência de políticas ambientais sérias por parte dos Poderes Públicos no tocante à Bacia do Rio Paraitinga, que se encontra notoriamente abandonada, assoreada, suja, aniquilada em sua capacidade de drenagem, há várias décadas, aniquilação ambiental essa impulsionada, inclusive, pela expansão irrefreada do monocultivo industrial do eucalipto na região nos últimos anos, açambarcando quase que 30% do território agricultável do município e que contribuiu, em muito, para a impermeabilização da bacia do Paraitinga e seu assoreamento aprofundado.
Segundo, constatamos a ausência de Defesa Civil estruturada no município antes da tragédia, ou seja, o SINDEC (Sistema Nacional de Defesas Civis) simplesmente não vigia em São Luiz. O Estado não capacitou e nem se preocupou em saber se um município pequeno, como S. Luiz do Paraitinga, que abriga o maior acervo de imóveis históricos tombados no Estado de São Paulo, estava capacitado para atuar e prevenir tragédias climáticas. Ninguém, nenhuma autoridade pública se preocupou em monitorar a existência ou não de Defesa Civil em S. Luiz.
Simplesmente não existia Defesa Civil no Município. Todo o socorro emergencial partiu da iniciativa privada, das ações da população afligida. Os órgãos do Estado, segundo informes das vítimas, demoraram três dias para chegarem ao local.
Terceiro, o Município ignorou mais do que oito comunicados de precipitações anormais na época das cheias , emitidos pelos organismos de meteorologia com mais de três dias de antecedência.
Quarto, tanto o Estado como o Município não só legalizaram e incentivaram a ocupação de moradias populares em áreas de APPs, como em especial, construíram casas populares (pela CDHU) na beira do Rio Paraitinga, residências essas que foram as primeiras a serem atingidas pelas águas.
2. Na inicial da ação civil pública se afirma que o Poder Público incentivou a construção de moradias em áreas de preservação permanente. Como se deu isso? O senhor acredita que essa “política habitacional” de ocupação de APPs é comum nos Municípios brasileiros?
Como dito acima, os Poderes Públicos, historicamente, incentivam a ocupação de áreas de precária segurança ambiental e social pelas populações pobres. Não havendo políticas habitacionais consistentes para combater o maior déficit habitacional do continente, jogam-se as comunidades pobres para os cumes dos morros, para as áreas de mananciais, para as beiras dos rios, para as zonas de perigo. Isso é comum em todas as cidades do país.
Em São Luiz do Paraitintga, esse processo foi intensificado pela construção de conjuntos habitacionais, pelo Estado e Município, destinados aos pobres, em áreas de APP, na beira do Rio Paraitinga.
3. O senhor acredita que uma vez que já são conhecidos as causas e os efeitos das mudanças climáticas, como a ocorrência das intensas chuvas que assolaram o Município de São Luis do Paraitinga, já não é mais possível a alegação, por parte dos Poderes Públicos, de ocorrência de caso fortuito?
Com certeza. As alterações climáticas pela ação humana hoje ressuma como inquestionável no meio científico. Por isso, a questão ambiental se tornou o principal tema da agenda da humanidade.
Diante dessas certezas, toda e qualquer omissão estatal no tocante à ausência de políticas ambientais sérias, pode, sim, gerar o dever de indenizar as vítimas dos eventos climáticos extremos, posto que são eles previsíveis. As ações, no Brasil, costumam ser repressivas, ou seja, encetadas no dogma do “Kit tragédia”, eclodidas sempre após as catástrofes.
As alterações climáticas exigem, hoje, políticas públicas preventivas, principalmente na área de macrodrenagem em todos os municípios, implementação de políticas habitacionais dignas e massivas dirigidas às camadas pobres; o monitoramento consequente e a previsão de tormentas ambientais; monitoramento e controle da estruturação e capacitação de Defesas Civis em todos os municípios; ações administrativas que, se implementadas, evitarão perdas humanas e patrimoniais e custarão bem menos do que as políticas derivadas do “kit tragédia” que pauta a agenda política no país na atualidade.
4. Os materiais produzidos pelo Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos contribuem, de alguma forma, para a atuação dos operadores do Direito?
O material científico produzido pelo Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos são inestimáveis. Um dos artigos constantes do portal referido, de autoria do jurista ambiental Tiago Fensterseifer, foi utilizado na fundamentação da Ação Civil Pública ambiental ajuizada pela Defensoria Pública do Estado no episódio de S. Luiz do Paraitinga, assim como serão mencionadas em réplica e manifestações futuras os artigos, sobre esse específico tema, produzidos pelas pesquisadoras Paula Lavratti e Vanêsca Buzelato Prestes, que trazem dados relevantíssimos sobre a quantificação dos efeitos sociais decorrentes de tragédias climáticas nos últimos anos.
Fonte: Adriana Vargas/ Redação Planeta Verde
Foto: Divulgação