Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
07/12/2010
Justiça brasileira avança no debate sobre mudanças climáticas
A jurisprudência brasileira já demonstra a preocupação dos magistrados com o fenômeno das mudanças climáticas. Contudo, o tema ainda é “incipiente” na Justiça, na opinião de Paula Lavratti, coordenadora técnica do projeto “Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos” realizado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde, que já catalogou 50 decisões, que mencionam o aquecimento global ou os gases de efeito estufa.
Na avaliação da especialista, contudo, a grande maioria das decisões “apenas faz uma referência genérica ao tema, como forma de contextualizar o estado atual do meio ambiente, as ameaças e agressões existentes, não havendo uma reflexão mais profunda sobre as causas e efeitos do fenômeno e a estreita relação existente entre elas e os casos submetidos à apreciação do Judiciário”. Ela ressalta, porém que “algumas decisões” já trazem uma “reflexão aprofundada” sobre as mudanças climáticas.
“São inúmeras as conexões entre as mudanças climáticas e os temas submetidos à apreciação do Judiciário, já que este fenômeno está intimamente relacionado ao nosso modo de vida”, aponta. Paula Lavratti é Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Rovira i Virgili, Tarragona, Espanha.
Em entrevista exclusiva ao Observatório Eco, Paula Lavratti comenta alguns precedentes judiciais e conta que embora o tema climático ainda esteja engatinhando em nossos tribunais, o Brasil quando comparado a outros países, como Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela pode ser considerado um “pioneiro nessa questão”.
“O Judiciário tem um papel muito relevante tanto na mitigação como na adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, estas entendidas como qualquer medida destinada à redução das emissões de gases de efeito estufa ou à ampliação dos sumidouros de carbono, e por toda iniciativa capaz de reduzir a vulnerabilidade da sociedade ou dos sistemas naturais frente aos efeitos reais ou esperados das mudanças climáticas, respectivamente”, afirma Paula Lavratti. Veja a íntegra da entrevista concedida ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: De que maneira a Justiça brasileira interpreta o fenômeno das mudanças climáticas em sua jurisprudência ambiental? Em sua opinião, são decisões tímidas, ou avançadas?
Paula Lavratti: A inclusão da variável “mudanças climáticas” nas decisões judiciais ainda é incipiente. No âmbito do Projeto “Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos”, desenvolvido pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde, fizemos uma pesquisa de jurisprudência nos Tribunais de Justiça dos Estados, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Superiores, com vistas a identificar decisões que fizessem referência expressa ao fenômeno das mudanças climáticas, ao aquecimento global ou aos gases de efeito estufa, sendo que já localizamos cerca de 50 decisões nesse sentido.
No entanto, cabe registrar que a grande maioria delas apenas faz uma referência genérica ao tema, como forma de contextualizar o estado atual do meio ambiente, as ameaças e agressões existentes, não havendo uma reflexão mais profunda sobre as causas e efeitos do fenômeno e a estreita relação existente entre elas e os casos submetidos à apreciação do Judiciário.
Não obstante, também é necessário salientar que já contamos com algumas decisões que fazem uma reflexão aprofundada sobre as mudanças climáticas, efetivamente considerando o tema como fundamento para decisões proferidas.
Observatório Eco: A senhora poderia dar alguns exemplos?
Paula Lavratti: Há diversos precedentes que tratam da queima da palha da cana-de-açúcar, prática bastante comum em determinadas regiões do país e que produz significativas emissões de gases de efeito estufa.
O TRF da 4ª Região, por exemplo, faz uma reflexão sobre o paradoxo consistente no incentivo ao plantio da cana para a produção de etanol e a conseqüente redução das emissões de gases de efeito estufa decorrentes da utilização de combustíveis fósseis, de uma parte, e o aumento das emissões dos mesmos gases originada da prática de queima da palha da cana, por outro.
O Superior Tribunal de Justiça também merece destaque, tendo proferido decisões nesse sentido, como a decisão proferida em Agravo Regimental no qual o Ministro Humberto Martins afirma: “alega-se em defesa às queimadas que, embora haja uma forte liberação de CO2, este gás não contribui – a médio prazo – para o dito efeito estufa, pois uma quantidade equivalente dele é retirada da atmosfera, via fotossíntese, durante o crescimento do canavial no ano seguinte. Esta argumentação é válida e correta, senão por um pequeno diferencial nunca explicitado: o canavial realmente absorve e incorpora CO2 em grande quantidade, ao longo do seu período de crescimento que dura de 12 a 18 meses em média, e a queimada libera tudo quase que instantaneamente, ou seja, no período que dura uma queimada, ao redor de 30 ou 60 minutos. Portanto, libera CO2 recolhido da atmosfera durante 12 a 18 meses em pouco mais de 30 ou 60 minutos. Além disso, junto com o CO2, outros gases são formados e lançados na atmosfera.”
O tema também começa a ser considerado nas ações que versam sobre o uso do fogo como técnica de “limpeza” de propriedades. Nessa linha, o TRF da 1ª Região, ao manifestar-se sobre o pedido de antecipação de tutela requerido em Ação Civil Pública ajuizada conjuntamente pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual contra o Estado do Acre e outros, com o fim de determinar que os réus articulem ações voltadas à supressão paulatina da prática agrícola de desmate mediante utilização de fogo, afirma que segundo o registro anual das queimadas propositais, o Brasil é um dos três países que mais precisam avançar em políticas públicas que controlem o fogo deliberado, “sendo essa a forma mais barata e mais rápida para controlar o aquecimento global”. Consta também que o fogo é um componente “bastante significativo” para as mudanças climáticas globais e ainda causa grandes prejuízos. “Diante das mortes, das secas e do aquecimento global em pleno curso, os cientistas esperam que os países tropicais passem a considerar mais corretamente o peso das queimadas”.
O STJ também já assentou jurisprudência sobre o tema, afirmando que as mudanças climáticas justificam uma interpretação restritiva às regras excepcionais permissivas de queimadas constantes da legislação federal.
Nas palavras do ministro Antonio Herman Benjamin, “As queimadas, sobretudo nas atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas ou empresariais, são incompatíveis com os objetivos de proteção do meio ambiente estabelecidos na Constituição Federal e nas normas ambientais infraconstitucionais. Em época de mudanças climáticas, qualquer exceção a essa proibição geral, além de prevista expressamente em lei federal, deve ser interpretada restritivamente pelo administrador e juiz”.
Outra decisão bastante interessante, proferida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso, versa sobre o reconhecimento da inconstitucionalidade de dispositivo do Código Ambiental Estadual que prevê a possibilidade de compensação em dinheiro do déficit de reserva legal (art. 62-A, III da Lei Complementar 38/95, acrescido pela Lei Complementar 232/05), o qual, além de afrontar o Código Florestal, vai de encontro ao disposto no art 225, §1º, I da Constituição Federal.
Por fim, também merece registro uma recente decisão do STJ que aborda, de forma explícita, a produção de gases de efeito estufa, ao julgar se permitiria a entrada em funcionamento de uma hidrelétrica.
No caso, o Ministério Público Federal pretendia impedir a finalização do enchimento de reservatório para que a Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó passe a gerar energia, tendo em vista a necessidade (i) de mais estudos ambientais, (ii) da revisão da proposta de diminuição dos impactos sobre a ictiofauna, (iii) de supressão de 100% da vegetação da área que será alagada pelo reservatório da usina hidrelétrica, entre outras. A União e a Aneel argumentaram que estavam presentes todos os requisitos técnicos para a implantação da hidrelétrica e que parte da energia produzida supriria o crescimento da demanda do país, e que outra parte seria destinada à substituição da geração de termelétricas.
O presidente do STJ deferiu o pedido da União e suspendeu a liminar concedida, viabilizado, assim, o prosseguimento das atividades da usina hidrelétrica. Dentre os fundamentos considerados pelo Ministro, está o fato de que caso a usina não entrasse em operação na data prevista, para suprir o fornecimento de energia elétrica necessária para o país, seriam acionadas as usinas termelétricas (gás e carvão), o que representaria uma emissão de CO2, especificamente em relação às termelétricas movidas a gás natural, de 76,1 Mt de gás carbônico na atmosfera, tomando-se por base todo o período de concessão e o cenário mais pessimista acerca da construção do empreendimento.
Observatório Eco: De que forma o Judiciário brasileiro pode aprimorar o seu modo de lidar com a degradação das áreas impactadas pelas mudanças climáticas?
Paula Lavratti: O Judiciário tem um papel muito relevante tanto na mitigação como na adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, estas entendidas como qualquer medida destinada à redução das emissões de gases de efeito estufa ou à ampliação dos sumidouros de carbono, e por toda iniciativa capaz de reduzir a vulnerabilidade da sociedade ou dos sistemas naturais frente aos efeitos reais ou esperados das mudanças climáticas, respectivamente.
Assim, na medida em que o Judiciário incorporar plenamente a variável “mudanças climáticas”, poderá considerar em suas decisões, no que toca à mitigação, a contribuição e o impacto de determinadas atividades econômicas para o lançamento de gases de efeito estufa, o que pode ser utilizado, por exemplo, em casos sobre desmatamento e queimadas, questionamentos sobre fontes de energia, medidas de controle de tráfego e emissões veiculares e, até mesmo, sobre critérios de sustentabilidade introduzidos em compras e contratações públicas.
No que se refere à adaptação, o Judiciário poderá considerar, por exemplo, o incremento dos episódios climáticos extremos, causadores de inundações e deslizamentos de terra – uma das consequências das mudanças climáticas -, ao julgar a ocupação de áreas de preservação permanente – APPs, apenas para mencionar algumas possibilidades.
São inúmeras as conexões entre as mudanças climáticas e os temas submetidos à apreciação do Judiciário, já que este fenômeno está intimamente relacionado ao nosso modo de vida.
Nesse sentido, se observa que o assunto já começa a ser apropriado pelos magistrados, assim como pelo Ministério Público e Defensoria Pública, entre outras instituições, de forma que se espera um avanço e um aprofundamento no tratamento da questão.
No entanto, assim como ocorre na avaliação das questões ambientais em geral, ainda há um longo caminho a percorrer.
Observatório Eco: De que forma os países latinos também avaliam em suas jurisprudências as questões relativas às mudanças climáticas?
Paula Lavratti: As entidades participantes do Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos na Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela realizaram a mesma pesquisa jurisprudencial levada a cabo aqui no Brasil, não tendo encontrado nenhuma decisão que abordasse de forma específica as mudanças climáticas. Nesse sentido, é possível afirmar que, entre os países que compõem a Floresta Amazônica, o Judiciário Brasileiro tem sido pioneiro nessa questão.
Observatório Eco: A nossa legislação ambiental sobre mudanças climáticas é muito recente. Mas já é possível traçar um perfil dessas medidas?
Paula Lavratti: A Lei de Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) trata de forma bastante geral as mudanças climáticas, limitando-se a estabelecer objetivos, diretrizes e instrumentos para o enfrentamento do tema.
No entanto, deixou para regulamento – até o momento inexistente – como e quais ações de mitigação e adaptação serão adotadas, bem como a definição dos setores afetados por tais ações (Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação), o que revela uma incerteza ainda muito grande sobre como se executará a política nacional sobre a questão.
Outro perfil normativo pode ser identificado nas leis de política de mudanças climáticas adotadas pelo Estado e Município de São Paulo (Lei Estadual nº 13.798/2009 e Lei Municipal nº 14.933/2009, respectivamente), as quais, em minha opinião, disciplinam de forma mais concreta o assunto, ao trazerem diretrizes específicas para as políticas setoriais de transportes (tanto gestão e planejamento, como modais, tráfego e emissões); energia; gerenciamento de resíduos; saúde: construção; uso do solo; produção, comércio e consumo; recursos hídricos; e, até mesmo, adaptando instrumentos de comando e controle como o licenciamento ambiental.
Observatório Eco: E nos outros países latinos a evolução legislativa é parecida com a nossa?
Paula Lavratti: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela são países com realidades bastante distintas. Todos contam com diferentes organizações político-institucionais e diferentes competências legislativas e de atuação em matéria de meio ambiente, o que impossibilita que se desenvolvam comparações mais detalhadas.
Contudo, pode-se afirmar que esses países, em maior ou menor medida, já começam a se organizar para tratar do tema, tanto no que toca à organização institucional como normativa.
Além disso, todos apresentaram ao Secretariado da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima a 1ª Comunicação Nacional relacionada à aplicação da Convenção, a qual pressupõe a elaboração do inventário nacional de emissões de gases de efeito estufa. Como se sabe, o conhecimento do perfil de emissões de cada país, de suas principais fontes e características, é essencial para o desenvolvimento de qualquer política efetiva sobre o tema, inclusive porque, em alguns casos, como o brasileiro, a principal fonte de emissões não é a mesma que ocupa o primeiro lugar do ranking mundial – a queima de combustíveis fósseis – mas o desmatamento.
Por outra parte, importa ressaltar que, de maneira geral, todos os países contam no marco de suas legislações nacionais, com normas que possuem incidência, real ou potencial, na mitigação e/ou na adaptação às mudanças climáticas. Isso quer dizer que, mais do que contar ou não com uma normativa específica sobre o tema, cada um dos países tem à sua disposição instrumentos jurídicos capazes de auxiliar no combate às mudanças climáticas.
Em quanto alguns países ostentam consideráveis níveis de emissão, em especial o Brasil, outros são mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, demandando maiores esforços de adaptação. Nesse contexto, as diferenças entre as formas de organização e de atuação verificadas podem indicar uma atenção à realidade local, o que é altamente positivo.
Observatório Eco: A senhora poderia dar alguns exemplos?
Paula Lavratti: Apenas para citar alguns exemplos, o Equador foi o único dos países amazônicos que elevou o tema das mudanças climáticas ao âmbito constitucional, prevendo, no artigo 416 de sua Constituição (2008), que “El Estado adoptará medidas adecuadas y transversales para la mitigación del cambio climático, mediante la limitación de las emisiones de gases de efecto invernadero, de la deforestación y de la contaminación atmosférica; tomará medidas para la conservación de los bosques y la vegetación, y protegerá a la población en riesgo”.
A Colômbia, por sua vez, já está elaborando sua “Estrategia Institucional para la Adaptación al Fenómeno del Cambio Climático”. Já o Peru incorporou referências expressas ao fenômeno na sua recente lei que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente (2009). Dentre os objetivos da lei encontram-se o de lograr a adaptação da população frente às mudanças climáticas e o de estabelecer medidas de mitigação, orientadas ao desenvolvimento sustentável. E, especificamente no que se refere às diretrizes de ordenamento territorial, prevê a incorporação da análise de risco natural e antrópico, assim como medidas de adaptação.
Observatório Eco: Qual sua opinião sobre o impacto das mudanças climáticas na agricultura brasileira e latina?
Paula Lavratti: Os setores mais diretamente dependentes do clima, como é o caso da agricultura, serão afetados de forma mais imediata e mais intensa pelos efeitos das mudanças climáticas.
Já há estudos produzidos por renomadas instituições científicas brasileiras que fazem uma análise econômica das consequências da mudança do clima. Um deles é estudo intitulado Economia da Mudança do Clima no Brasil: custos e oportunidades, que analisa os impactos econômicos nos mais diversos setores, e, especificamente em relação à agricultura, afirma que todas as culturas agrícolas, com exceção da cana-de-açúcar, sofreriam redução das áreas com baixo risco de produção. O Norte e o Nordeste são apontados como aqueles que sofrerão os piores efeitos da mudança do clima e o custo da inação frente a este problema será o aprofundamento das desigualdades regionais e de renda.
Além disso, outro estudo, específico sobre a agricultura, produzido pela Embrapa e Unicamp – Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção Agrícola no Brasil, prevê, como consequência da mudança do clima, uma alteração radical na geografia da produção agrícola do Brasil, com uma migração da maioria da culturas para regiões que reúnam condições climáticas melhores. As perdas estimadas não são nada alentadoras: R$ 7,4 bilhões já em 2020, podendo alcançar R$ 14 bilhões em 2070. A soja seria a cultura mais afetada, concentrando a metade de todas as perdas. Além disso, o estudo afirma que o Nordeste brasileiro será a região que mais atingida, com perda de produção em todas as culturas, gerando significativos impactos sobre a segurança alimentar da população.
Observe-se que como passaram a ser estudados, tornando-se riscos conhecidos, é possível que as mudanças climáticas venham a alterar a política de concessão de créditos agrícolas e mesmo a concessão de ajuda em casos de calamidade.
A agricultura brasileira é a principal indutora do desmatamento no país, o qual, por sua vez, é a nossa principal fonte de emissão de CO2. Se poderia alegar que o desmatamento da Amazônia vem diminuindo, o que é verdade, mas também não se pode esquecer que ele segue ocorrendo e que, ademais, o desmatamento nos biomas cerrado e caatinga vem aumentando, o que inclusive levou o Ministério do Meio Ambiente a afirmar recentemente que a degradação do Cerrado já estava emitindo níveis de CO2 equivalentes ao da Amazônia.
Mas a relação entre a flora e a mudança do clima não se restringe a emissões de gases de efeito estufa. A floresta em pé não é apenas hábitat de inúmeras espécies de fauna e flora, mas ela também é prestadora de um relevantíssimo serviço ambiental: a regulação do clima. Estudos indicam que a Floresta Amazônica possui um papel fundamental na reciclagem e distribuição de vapor d’água não só localmente, mas também em âmbito regional. As correntes atmosféricas provenientes do Atlântico atravessam a floresta e carregam parte da umidade gerada pela vegetação. Ao deparar-se com os Andes, eles são desviados de volta ao Brasil e passam a distribuir esse vapor d´água pelas regiões centro-oeste, sudeste e sul do país, influenciando as chuvas em grande parte do Brasil.
Nesse sentido, ao se desmatar a floresta se está perturbando a regulação do clima na maior parte do país. Será que estamos todos conscientes dessas implicações? Será que um produtor rural do Paraná tem ciência de que o desmatamento na Amazônia pode afetar a quantidade de chuvas que cai nas suas plantações?
Dados do IPAM dão conta de que as emissões geradas pelo desmatamento e pela queima não são compensadas pela recomposição florestal de área equivalente àquela desmatada. Seria necessário o plantio de áreas muito mais extensas, além da manutenção por um longo período de tempo (cerca de 20 anos) para que efetivamente se dê a compensação. Isso não quer dizer, por óbvio, que as medidas de reposição florestal são irrelevantes. Ao contrário, elas são extremamente importantes e devem ser mantidas e aprimoradas. Mas é necessário se ter presente que elas não resolvem a equação das emissões geradas pelo desmatamento.
Com isso, resta demonstrado que evitar o desmatamento é a melhor solução não só do ponto de vista ambiental como também do ponto de vista econômico. Aliás, estudos econômicos nacionais e internacionais indicam que a redução do desmatamento é a forma mais fácil e mais barata para se reduzir as emissões de GEEs.
A importância e o significado do desmatamento evitado, portanto, devem ser levados em conta em qualquer alteração que se pretenda fazer no Código Florestal e que implique no aumento de áreas sujeitas ao corte, a exemplo da pretendida redução do percentual de reserva legal e das áreas de preservação permanente.
Não se trata somente de cumprir com as metas de redução de emissões assumidas pelo Brasil com a aprovação da nossa Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas, que sem dúvida são fundamentais, mas se trata também de refletir sobre os serviços ambientais prestados pelas florestas e, ainda, sobre a possibilidade de se vir a agravar um quadro de aquecimento global que vai afetar negativamente a sociedade e os mais diversos setores da economia.
Veja aqui a relação de acórdãos citados na matéria.
(ACP nº 2007.70.13.000412-9/PR, 09/04/2007, Juiz Federal Mauro Spalding; autor: Ministério Público Federal; réu: Instituto Ambiental do Paraná – IAP e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA).
(AgRg nos EDcl no RECURSO ESPECIAL nº 1.094.873-SP, 17/08/2009, Segunda Turma, Relator Ministro Humberto Martins. Vide também a decisão proferida nos Embargos de Divergência em RESP 418.565 - SP em 29.09.2010).
(ACP nº 2009.30.00.001438-4, 06/07/09, 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Acre, Juiz Federal David Wilson de Abreu Pardo; autor(es): Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Acre; réu(s): Estado do Acre, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO, Instituto de Colonização e Reforma Agrária, Instituto de Meio Ambiente do Acre – IMAC, e Municípios de Acrelândia, Bujari, Capixaba, Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard, Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri, Sena Madureira, Tarauacá, Santa Rosa do Purus, Rodrigues Alves, Porto Walter, Marechal Thaumaturgo, Manoel Urbano, Mâncio Lima, Jordão, Feijó e Cruzeiro do Sul).
(Recurso Especial nº 1.000.731 – RO, 25/08/2009, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin. Recorrente: Braulino Basílio Maia Filho; recorriso Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA).
(Agravo de Instrumento nº 81179/2006, 09/04/2007, Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias; agravante: Estado do Mato Grosso; agravado: Ministério Público.)
(Suspensão de Liminar e de Sentença 1.271 – SC, em 19.08.2010).
Fonte: Observatório Eco/ Roseli Ribeiro