Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
17/12/2010
Previsões para 2011
O Brasil está se motorizando com velocidade e a mudança vem puxada por quem tem mais dinheiro (e teoricamente mais estudo). A pesquisa “Mobilidade Urbana e posse de veículos”, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 14 de dezembro, indica que atualmente em 47% das casas do país há pelo menos um automóvel ou motocicleta. Entre os que ganham mais de cinco salários mínimos, o índice de motorização sobe para 87%. Para os ricos brasileiros, ter um veículo privado poluente na garagem é o padrão.
Os dados são resultado de análise cuidadosa feita pelo engenheiro de transportes Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, do IPEA, a partir de dados reunidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2010, que tem como ano base 2009. A íntegra do estudo pode ser consultada neste link e aqui tem uma apresentação resumida. Trata-se de um trabalho técnico que serve, principalmente, como indicação do caminho que o país segue.
Em entrevista por telefone, Ribeiro de Carvalho comentou os dados reunidos e falou sobre as perspectivas que o Brasil tem se a motorização continuar se radicalizando. Mais mortes em acidentes, congestionamentos e poluição estão entre as previsões para 2011. Com a palavra, o engenheiro do IPEA:
Cada vez mais gente opta por transporte individual motorizado. Quais as perspectivas para o Brasil?
Nos últimos dez anos, a tendência tem sido de crescimento do transporte individual. Por ano, as vendas de carros subiram a taxa de 9%. A de motocicletas foi de 19%. São dados da indústria. A frota está aumentando absurdamente. A de motocicleta mais do que o dobro do que dá de automóveis. Nesses dez anos, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4% ao ano. O ritmo de crescimento da frota de automóveis é mais do que o dobro do que o do PIB nacional. É uma tendência muito forte. Em quase metade dos domicílios brasileiros há ou automóvel ou motocicleta. Com as taxas de venda crescendo, esse número aumentará.
Quais as implicações disso?
Para a mobilidade geral, as implicações são muito fortes. Primeiro, o sistema viário das grandes cidades tem uma capacidade que não tem como ser aumentada em curto prazo com medidas de escoamento. A frota cresce, mas a capacidade de tráfico urbano e de transporte público não aumenta na mesma velocidade.
Ter um aumento do número de pessoas com acesso ao transporte individual deve ser visto como algo ruim?
São dois lados que precisam ser pensados. Dá para comparar a situação das cidades americanas e das cidades européias. O Brasil ainda não sabe qual modelo vai seguir, se o americano ou o europeu. Em ambos os casos a população tem renda alta e acesso ao transporte individual. Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa há uma alta taxa de motorização. A média de veículos por habitante no Brasil é em torno de 15 automóveis para cada 100 habitantes, nos EUA e na Europa isso passa de 50. Mas qual a diferença entre os EUA e a Europa? A principal é que o americano usa intensamente o veículo, para tudo que ele faz ele usa o veículo privado. O transporte público é marginal, tem um peso pequeno nos Estados Unidos. Na Europa é o contrário, os europeus têm automóveis, mas usam no dia-a-dia o transporte público. Porque o sistema funciona, é de qualidade, tem boa disponibilidade. Então, qual é o problema? Nos EUA, você tem congestionamentos, emissão de poluição, tudo mais, enquanto na Europa isso é mais bem condicionado. Se por um lado é bom ter a opção do transporte individual, que dá mais conforto e que em termos econômicos é importante para o desenvolvimento da indústria, por outro lado se você usar intensamente isso, já vai criar outros custos. Acidentes, poluição, congestionamentos, isso tudo custa muito para a sociedade. O ideal é ter acesso ao transporte individual, mesmo para a população de baixa renda, é uma coisa boa dar condições para todos, mas por outro lado é preciso estimular políticas de uso racional do transporte individual. É fazer a pessoa não ir todo dia ao trabalho, usar mais para lazer, fim de semana.
Como fazer isso?
São necessárias políticas de estímulo ao uso de transporte público, melhorar, baratear os custos. É preciso que transporte público seja mais barato que o transporte individual. Por exemplo, estacionamento. Aqui em Brasília não se cobra pelo estacionamento nas ruas. Isso é um estímulo para as pessoas usarem o carro. Em São Paulo é mais caro, se cobra e em alguns estacionamentos que, se for deixar o dia inteiro o carro, é preciso pagar até R$ 20! Então nem todo mundo sai com automóvel. E ainda bem que tem isso, porque se todo mundo saísse ninguém andava. E tem outras restrições do uso no dia-a-dia, rodízio, já se fala em pedágio urbano. Enfim, tem que haver um equilíbrio, dar condições para as pessoas adquirirem veículos, mas por outros lados ter políticas públicas para que as pessoas usem moderadamente o veículo. A Europa faz bem isso. Transporte público de alta qualidade e medidas para restringir o uso no dia-a-dia.
Quais as previsões para 2011?
Com certeza o número de congestionamentos será maior. A frota aumentou 10% e não teve aumento da capacidade viária nessa mesma proporção. Você pode prever que as mortes no trânsito vão superar 40 mil pessoas por ano. Hoje está em torno de 37 mil por ano, mas nos últimos 12 meses há uma tendência de crescimento. Com a Lei Seca houve uma estabilização, mas agora já voltou a crescer. Haverá mais mortes, principalmente mortes com motocicletas. A previsão é de um aumento maior ainda. Hoje as motocicletas representam um terço da frota, mas matam a mesma quantidade de pessoas que automóveis. Mesmo sendo um terço. Ano que vem vai morrer mais gente em motos do que em acidente de automóveis. São previsões pesadas, mas pelas tendências caminhamos nesta direção.
Muito se fala em caos aéreo, mas temos um caos viário, não?
Com certeza. O problema é que nos grandes centros urbanos os problemas se materializam no congestionamento, mas por trás disso tem outros problemas. A poluição, por exemplo, provoca 3 mil mortes por ano. No caso do transporte aéreo, quando cai um avião é comoção nacional. Morrem 200 pessoas por ano – ou, em alguns anos, com dois acidentes, podem morrer até 500. Na área rodoviária estamos falando na morte de 40 mil pessoas. É lógico que como o caos aéreo impacta uma classe de maior poder aquisitivo, repercute mais. A pessoa fica duas horas no aeroporto e já vira notícia. No transporte público, isso virou rotina. No dia-a-dia, 10% dos trabalhadores do Brasil perdem mais de duas horas por dia em deslocamentos diários. São duas horas ou mais que o cara perde por dia, todos os dias. Soma isso ao longo da vida útil de uma pessoa e vê o que dá. Em São Paulo o índice chega a 23%!
Além de transporte coletivo, hoje se fala muito em transporte alternativo. Como vê isso?
O Brasil ainda está engatinhando nessas áreas. Quando se fala em transporte não-motorizado, o primeiro ponto que se deve considerar é a situação do pedestre, que é totalmente negligenciado no país. Só para se ter uma ideia, 25% dos mortos no trânsito hoje são pedestres. Já foi pior, esse índice já chegou a ser de 40%. Isso por faltas de políticas adequadas dos municípios, em termos de engenharia, equipamentos de segurança, tudo. A circulação de pedestres é negligenciada. Depois tem as bicicletas, para as quais ainda temos muito pouco no Brasil. É preciso pensar em termos de políticas de integração de bicicletas com transporte público. Não dá para esperar que bicicleta resolva o problema de mobilidade da massa que mora na periferia. Não vai resolver. Mas se você pensar em políticas de integração, por exemplo, nas estações de metrô, nas estações de transbordo do sistema de ônibus, se você criar estações para o cara a deixar a bicicleta.
Ou até mesmo como é comum na Europa, se você criar programas de aluguel, de bicicletas públicas. Para poder tirar em um ponto e devolver outro. Isso não vai resolver por si só, mas é preciso pensar que como os problemas de transporte são complexos, não dá para pensar em uma solução só. É preciso várias soluções e que elas estejam integradas.