Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
06/01/2009
Venezuela: O preço da gasolina mais barata do mundo
Caracas – A gasolina mais barata do mundo é vendida na Venezuela, mediante uma grande e antiga operação de subsidio que favorece os proprietários de automóveis e nega recursos à luta contra a pobreza e por um ambiente são, ao mesmo tempo em que descapitaliza a indústria petroleira, motor da economia deste país. “Qual é o problema? Suponho que se produzíssemos trigo ou tratores isso seria muito barato aqui. Se temos petróleo, a gasolina deve ser barata”, disse à IPS Aléxis Santana, de 38 anos, motorista de ônibus desde os 22. Parece lógico neste país, um dos maiores produtores mundiais de petróleo.
Um litro de gasolina na Venezuela custa, há 10 anos, entre três e quatro centavos de dólar. Um refrigerante custa 20 vezes mais, uma garrafa de água 25 vezes e um xícara de café expresso na padaria 30 vezes mais. Uma pessoa pode deixar de gorjeta ao rapaz que limpa o pára-brisa e mede a pressão dos pneus em um posto de serviço mais dinheiro do que paga para encher o tanque de seu veiculo. “A gasolina quase é dada de presente neste país”, disse o ministro das Finanças, Ali Rodríguez, que foi titular da pasta da Energia, secretário-geral da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e presidente da gigante estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA).
“Já é um desaforo vender a gasolina como vendemos. Melhor seria dá-la de presente”, disse em um discurso em janeiro de 2007 o presidente Hugo Chávez, ao determinar estudos para aumentar o preço do combustível, que no momento – como o combustível – estão congelados. Para quase dá-la de presente, o Estado e a PDVSA assumem um subsidio que os economistas calculam de diferentes maneiras e com diferentes valores, sempre gigantescos, e cujos principais beneficiários são os donos de quatro milhões de veículos particulares que enchem ruas e estradas do país, quase as mesas que existiam há 30 anos.
“Pelos nossos números, a Venezuela consome por dia quase 750 mil barris ( de 159 litros) de combustíveis líquidos, 70% gasolina, e a diferença entre o preço de venda local e o de países consumidores de petróleo chegou a US$ 26 bilhões em 2008”, disse à IPS o economista Asdrúbal Oliveros, da empresa Ecoanalítica. Se a Venezuela vendesse seu combustível sem lucro, mas deixando para o consumidor interno todos os custos, o subsidio chegaria a US$ 17 bilhões, segundo Oliveros.
Quando o petróleo venezuelano foi cotado em julho passado a US$ 116 o barril, um antigo economista-chefe do Banco Central, José Guerra, estimou a subvenção anual em cerca de US$ 19 bilhões. Mas, em meados de dezembro passado, o petróleo caiu para US$ 31 o barril.
PDVSA perde
De acordo com dados oficiais, em 2007 os veículos venezuelanos consumiram 400 mil barris diários entre gasolina e óleo combustível, o que representou um subsidio, marcado pela diferença entre o preço interno e o de exportação, de US$ 12,5 bilhões. Os custos operacionais para produzir um litro de gasolina são para a PDVSA de dois centavos de dólar, e ela o vende por menos de três centavos de dólar.
“Ao presentear cada motorista com mais de US$ 3 mil por ano, a empresa fica sem um dinheiro que poderia dirigir a investimentos, para melhorar o sistema interno de distribuição de combustível, incentivar outros setores produtivos e reduzir o endividamento”, disse à IPS o economista-chefe dessa companhia entre 1992 e 1999, Ramón Espinasa. E mais, apesar de ser exportador de petróleo, a Venezuela enfrente compras crescentes de derivados, inclusive de 50 mil barris diários de insumos para gasolinas, segundo o especialista José Suárez-Núñez.
Os números das compras petroleiras da PDVSA, de acordo com seus relatórios, foram de US$ 2,593 bilhões em 2006 e de US$ 4,030 bilhões em 2007. Em dados como estes, alguns críticos veem que a produção do consórcio estatal diminui em lugar de aumentar.
Auxilio para ricos?
O baixo preço da gasolina “é essencialmente um subsidio regressivo, porque a maior parte de combustível é consumida por carros particulares, das classes média e alta, enquanto os mais pobres usam um transporte público deficiente”, disse Espinasa. “Oitenta por cento da gasolina são usados em veículos particulares, que transportam apenas 20% da população, enquanto 80% dos cidadãos dependem do transporte público, que consome 20% da gasolina. “É um Robin Hood ao contrário”, disse o também economista José Luis Cordeiro.
Os baixos preços da gasolina estimulam uma voraz compra de veículos, com novos recordes a cada ano desde 2003, até chegar a 400 mil unidades em 2007, embora restrições à importação tenham reduzido as vendas a 252 mil unidades no período janeiro-novembro de 2008, segundo a Câmara Venezuelana da Indústria Automotiva. “Nós, os pequenos empresários, por outro lado, são prejudicados porque com estes preços o fluxo de caixa é pequeno, não vale a pena investir em instalações, não podemos apoiar grandes solicitações de empréstimo e nossa mão-de-obra está mal remunerada”, disse à IPS José Costa, gerente de um posto de serviços em Caracas.
Pobres com menos
O governo venezuelano fez do gasto público o motor não apenas da atividade econômica mas da melhora da qualidade de vida da população, com base na renda do petróleo. Por isso, deve ressentir a carga deste pesado subsidio, segundo Oliveros. Já na década passada um estudo do Banco Mundial sobre os subsídios na América Latina mostrava que com os US$ 4 bilhões que na época o Estado entregava aos seus consumidores de gasolina “seria possível construir 41 mil escolas primarias ou sete mil secundarias por ano”, disse Cordeiro. Com menos de US$ 7 milhões de domicílios, este país tem déficit de dois milhões de moradias, segundo a organização humanitária Provea, e apenas são construídas algumas dezenas de milhares por ano.
O aporte da PDVSA aos programas sociais do Estado, segundo o informe 2007 da empresa, chegou a US$ 13,897 bilhões, quantia inferior às estimativas de entrega pela via de subsídios aos consumidores de combustíveis. Com essa quantia, destacou o informe da companhia, foram financiadas as missões (programas sociais paralelos à estrutura tradicional do governo) em matéria de saúde, educação, alimentação, identidade cidadã e economia de energia, entre outras.
As missões são o pivô do governo na luta contra a pobreza, que atingia 40% da população há uma década, e em busca de cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, adotados pela Organização das Nações Unidas. Segundo o Ministério do Planejamento, os lares pobres, ou com necessidades básicas não atendidas, diminuíram de 28,9% para 23,4%, e os indigentes passaram de 10,8% para 9%.
Se estes programas e os gastos gerais do Estado cresceram nos últimos cinco anos – na media em que aumentava o preço do petróleo até mais de US$ 120 o barril venezuelano -, desde Chávez até o mais contumaz de seus críticos admitem que este país sofrera de diferentes formas pelos valores do petróleo reduzidos a um quarto. “A situação fiscal pode ser tão critica que o governo buscará medidas com desvalorização, implementar mais impostos ou aumentar o preço da gasolina. Só o que seguramente fará será reduzir o gasto”, disse o economista Emeterio Gómez.
Exportação e contrabando
Os subsídios, diretos ou indiretos, costumam traduzir-se em uma vantajosa comparação para que as empresas de um país ou setor travem uma competição em condições vantajosas. “Esse não é o caso da Venezuela, porque a vantagem da gasolina barata se perde com os demais controles de preços, o controle do cambio, o congestionamento do trafego que afeta a distribuição e o mau estado da infra-estrutura viária”, disse Oliveros.
Devido à falta de corredores viários, um caminhão com mercadorias que percorre a fronteira com a Colômbia, no oeste, até os centros industriais ou de consumo no extremo oriente da Venezuela, é obrigado a atravessar Caracas e outras importantes cidades. Mas, além disso, o subsidio alimenta um contrabando com os países vizinhos, Brasil, Colômbia e em menor medida Guiana, que o Ministério de Energia estimou em 25 mil barris diários, o que ao preço médio de US$ 90 o barril em 2008, representa cerca de US$ 80 milhões ao ano.
Segundo a imprensa nacional, no nordeste colombiano fronteiriço com a Venezuela cerca de 80 mil famílias vivem ou obtêm uma renda adicional graças ao contrabando fronteiriço de combustível, em milhares de pequenos vasilhames transportados a pé ou de bicicleta, mas também em grandes caminhões-tanque que operam ao amparo de redes de corrupção ou grupos armados ilegais. “O problema está na diferença de preços, porque o combustível na Venezuela é 20 vezes mais barato do que na Colômbia e sem resolver esse problema é impossível vencer o contrabando”, disse Lino Iacampo, presidente da Associação de Distribuidores de gasolina no fronteiriço Estado de Táchira. “E, pelo contrário, algumas vezes os tachirenses não encontram gasolina ou a teem racionada”, acrescentou.
Ambiente, cultura e política
Nos Estados Unidos, um jovem de classe media fica idenpendente dos pais quando vai morar sozinho; na Venezuela, isso acontece quando o jovem tem seu próprio carro, disse Oliveros. O culto ao automóvel individual se exacerbou de tal maneira neste país que autoridades municipais de Caracas exigem que cada veiculo leve ao menos dois ocupantes, quando tentam restringir o acesso a determinadas vias nas horas de maior movimento. Nessas longas filas de carros que rodam a uma velocidade media de cinco km/h a ocupação média dos veículos é de 1,2 pessoa.
Mas, alertam estudiosos como Oliveros, a insegurança no transporte público, que sofre uma epidemia de assaltos à mão armada nos ônibus urbanos e intermunicipais, e em táxis independentes de qualquer organização, leva as pessoas a buscarem em desespero o carro próprio. Quase todas as vidas de uma cidade como Caracas estão cheias desde o amanhecer até bem tarde da noite. Para Aliana Gimenez, que vive na cidade-dormitório de Guatire, a leste da capital, “a vida é dormir no ônibus, trabalhar, chegar em casa, tomar banho, se trocar, fazer uma minisesta à noite e sair novamente para Caracas antes do sol aparecer”, contou à IPS.
Os economistas concordam que um começo de solução pode estar em uma adequação gradual do preço da gasolina a algum ponto médio da longa distância entre o preço interno e o valor de exportação. “Mas essa medida só teria efeito com uma mudança de políticas econômicas que permitisse enfrentar a inflação, do contrário geraria mais problemas”, disse Oliveros. A inflação venezuelana é a maior do hemisfério, pois anualizada ronda os 35% e passa de 50% nos alimentos, que neste país são transportados fundamentalmente por estradas e é o item em que os setores mais pobres gastam dois de cada três dólares de sua renda.
No passado, a alta do preço da gasolina foi a faísca de protestos sociais. O mais recente foi o “caracazo” de 1989, que deixou centenas de mortos. Sempre foi considerada uma medida impopular e das que mais votos tiram. Na última década, o país realizou eleições praticamente todos os anos, e possivelmente em março próximo volte às urnas para decidir se o presidente Chávez – que não toca no preço da gasolina desde que chegou ao poder em 1999 – pode se candidatar à reeleição quantas vezes quiser. (IPS/Envolverde)
Por: Humberto Márquez, da IPS
Fonte: Envolverde/IPS