Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
25/02/2009
Florestas desmatadas na Amazônia não recuperam sua biodiversidade
Mesmo após décadas de regeneração, só um terço das espécies de grandes árvores retorna, apontam estudos
Constatação de que 20% das áreas desmatadas da Amazônia têm florestas em regeneração coloca o Brasil no centro de uma discussão internacional sobre o valor ecológico das florestas secundárias. Elas merecem a mesma proteção legal de uma floresta primária? Até que ponto elas são capazes de recuperar a biodiversidade original do bioma?
Segundo cálculos do pesquisador Cláudio Almeida, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), noticiados pelo Estado na semana passada, cerca de 132 mil dos 680 mil quilômetros quadrados de florestas derrubadas na Amazônia estavam em processo de regeneração até 2006. Isso significa uma área de florestas secundárias (ou capoeiras, como são chamadas) equivalente a tudo que foi desmatado na Amazônia nos últimos sete anos (de 2002 a 2008), suficiente para cobrir de mata os Estados de Pernambuco e Alagoas.
À primeira vista, pode parecer que sete anos de desmatamento foram "desfeitos". Mas a simplicidade dos números esconde uma teia de fatores ecológicos altamente complexos. Segundo especialistas ouvidos pelo Estado, as capoeiras podem até se transformar em florestas maduras, mas dificilmente recuperam a diversidade de espécies que tinham originalmente. Além disso, raramente são deixadas "em paz" tempo suficiente para que a regeneração ocorra por completo. Segundo Almeida, a expectativa média de vida de uma floresta secundária na Amazônia brasileira é de apenas cinco anos, até ser cortada e queimada novamente.
Estudos de longo prazo realizados no nordeste do Pará por cientistas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) mostram que, mesmo após 40 anos em repouso, as capoeiras da região só recuperaram 35% das espécies arbóreas com mais de 10 centímetros de diâmetro que tinham originalmente. Muitas dessas florestas secundárias estão em fragmentos, o que também dificulta seu repovoamento. Estudos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus, mostram que, mesmo uma floresta primária, quando fragmentada, perde a capacidade de sustentar muitas espécies.
"Florestas secundárias não têm muito valor em termos de biodiversidade, especialmente se forem jovens, com menos de cinco ou até dez anos", diz o especialista americano William Laurance, do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, no Panamá. "À medida que envelhecem, elas podem acumular muitas espécies florestais, mas só se estiverem bem próximas a uma floresta primária, que possa servir como fonte de sementes e de animais dispersores de sementes."
Laurance é um dos pivôs de um acirrado debate científico que ocorre no Smithsonian desde 2006, quando um de seus colegas, Joe Wright, publicou um trabalho dizendo que a crise planetária de biodiversidade não é tão grave quanto parece, e que a regeneração de florestas secundárias aliviará muitos dos impactos do desmatamento tropical nas próximas décadas.
As projeções são baseadas em indicadores da Organização das Nações Unidas, que preveem um encolhimento das populações rurais em países tropicais. Uma tendência que, segundo Wright, deverá reduzir a pressão para o corte de florestas nativas e favorecer a regeneração de florestas secundárias. Em entrevista ao Estado, porém, Wright reconheceu que há variações regionais.
"As florestas secundárias podem ser muito importantes para a biodiversidade, mas talvez não em um lugar como a Amazônia brasileira, onde ainda há grande extensões de floresta primária", disse. "Infelizmente, esse não é o caso na maioria dos países tropicais, onde há pouca floresta primária e as florestas secundárias se tornam cruciais para muitas espécies."
O pesquisador, porém, mantém uma afirmação que fez em 2006, de que o rebrotamento de capoeiras vai "amortecer" a perda líquida de cobertura florestal na Amazônia brasileira, mesmo com o aumento do desmatamento. "A lógica dessa afirmação é inescapável", disse Wright.
Parece, mas não é
Segundo especialistas brasileiros, é "quase impossível" que uma floresta secundária recupere sua biodiversidade original. "Elas podem até ter a mesma biomassa e um número semelhante de espécies, mas nunca terão as mesmas espécies", diz a diretora do MPEG, Ima Vieira. No caso das árvores, segundo ela, as espécies que conseguem permanecer na paisagem são as de sementes pequenas, com alta capacidade de rebrotar após uma queimada. As de sementes grandes - que são as dominantes de florestas primárias - tendem a desaparecer.
"Muitas vezes você olha uma capoeira e parece uma floresta, mas a diversidade de espécies é bem menor", diz o ecólogo Mateus Batistella, da Embrapa Monitoramento por Satélite, que estudou a regeneração de florestas no nordeste de Rondônia. O tempo e a capacidade de regeneração de uma capoeira, segundo ele, depende da vários fatores locais, entre eles a fertilidade natural do solo e o uso que foi feito dele após o desmatamento. "Cada caso é um caso", diz. "O pior deles é quando você esgota o banco de sementes do solo."
No Pará, segundo Ima, florestas que brotaram em áreas de agricultura têm muito mais espécies do que aquelas que brotaram em pastos abandonados.
Por: Herton Escobar
Fonte: Estadao.com.br