Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
27/04/2009
Sabedoria indígena contra a mudança climática
Enquanto os países industrializados emitem crescentes volumes de gases causadores do efeito estufa, os povos originários precisam adaptar-se a um clima cada vez mais perigoso para sobreviver. Ao longo da história, as comunidades indígenas desenvolveram um grande arsenal de práticas que hoje poderiam servir para lidar com a mudança climática. “Por que não dar um dia de descanso aos automóveis e aos aviões? E depois dois dias de descanso. Isso reduziria a poluição”, sugeriu Carrie Dann, uma anciã da etnia norte-americana dos shoshones ocidentais.
Dann, ganhadora do Ritght Livelihood Award 1993 – conhecido como o Prêmio Nobel Alternativo – por seu ativismo na proteção de suas terras ancestrais, fez a proposta perante cerca de 400 delegados reunidos entre os dias 20 e 24 deste mês na Cúpula Mundial dos Povos Indígenas sobre Mudança Climática, realizada em Anchorage, no Estado norte-americano do Alasca. Dann afirmou que é preciso curar a “febre” da Mãe Natureza. “Meu território está ficando muito quente e há muitos incêndios nas pradarias”, afirmou.
Na Austrália, para prevenir incêndios semelhantes, que nos últimos anos devastaram grandes áreas e deixaram centenas de mortos, os aborígines de Western Arnhem Land, no Território do Norte, praticam queimadas tradicionais controladas. Ao impedir esses enormes incêndios também são reduzidas as emissões de gases de efeito estufa. E, pela primeira vez no mundo, esses aborígines venderam créditos de carbono à indústria, por US$ 17 milhões, gerando uma renda significativa para suas comunidades, segundo um informe apresentado em Anchorage.
Seguindo a tradição, depois da temporada chuvosa, os indígenas australianos fazem queimadas controladas para criar barreiras que depois, na estação seca, agem como corta-fogo dos incêndios florestais. Os incêndios controlados geram uma grande quantidade das emissões de carbono da Austrália. Nos últimos anos, pouquíssimos aborígines puderam continuar vivendo na terra ou fazendo queimadas controladas. Agora, poderiam assumir um novo papel no combate à mudança climática.
“O mundo tem de prestar mais atenção às opiniões das comunidades indígenas e à sabedoria do conhecimento ancestral”, afirmou Sam Johnston, da Universidade das Nações Unidas, copatrocinadora da Cúpula. Na Ásia, os povos originários desenvolveram diferentes variedades agrícolas e utilizam distintos modelos de semeadura, disse na conferência Victoria Tauli-Corpuz. presidente do Fórum Permanente para as Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas. Também participam da agrossilvicultura sustentável, da geração energética com biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas.
Na ilha de Bali, na Indonésia, os indígenas reabilitam arrecifes e protegem mangues. Nas Filipinas, a população autóctone traça mapas das águas de suas terras e desenvolve um plano de manejo integrado. “Muitos fazem estas coisas por conta própria, sem nenhum apoio”, destacou Tauli-Corpuz. Em Honduras, sob a freqüente ação de furacões, a etnia quezungal desenvolveu um método agrícola para plantar sob as árvores, o que permite que as raízes se prendam melhor ao solo e também reduz a perda de cultivos em desastres naturais.
Na Guiana, os povos indígenas adotaram um estilo de vida nômade, mudando para regiões com mais florestas na estação seca, e agora plantam mandioca (Manihot esculenta), seu principal alimento, em planícies aluviais que antes eram consideradas muito úmidas para cultivos. Em Belize, os agricultores estão retomando práticas tradicionais e se mudando para terrenos mais elevados, informaram outros delegados.
Na África, os pigmeus baka, do sudeste de Camarões, e os bambendzele, da República do Congo, desenvolveram novos métodos de caça e pesca, adaptando-se a uma realidade com menos chuvas e mais incêndios florestais. Embora os povos originários tenham uma grande capacidade de adequação e existam tratados e leis internacionais que garantem seu direito ao alimento e às suas formas de vida tradicionais, a mudança climática ameaça tudo isto, disse Andréa Carmen, da etnia yaqui, dos Estados Unidos.
Quando os chefes das tribos da província canadense de Alberta declararam que era preciso acabar com a exploração das areias petrolíferas, foram ignorados, ressaltou Carmen, que é diretora-executiva do Conselho Internacional de Tratados Indígenas, uma organização de defesa dos direitos indígenas. A extração de petróleo das areias alcatroadas é a principal razão pela qual o Canadá aumentou em 4% suas emissões que contribuem com a mudança climática, entre 2006 e 2007, estando 33,8% acima do compromisso de redução de emissões que assumiu por ser parte do Protocolo de Kyoto, em vigor desde 2005.
Entretanto, os povos indígenas também observam com cautela ações de governos e indústrias em resposta à mudança climática, como a construção de fazendas eólicas e usinas de biocombustíveis, normalmente em terras ou lugares onde os afetam, prejudicando seu sustento, explicou Gunn-Britt Retter, do Conselho Saami, da Finlândia. “Contamos com os conhecimentos tradicionais para suportar estas mudanças climáticas, e precisamos usá-los para ajudar outras culturas” a fazerem o mesmo, afirmou. Os povos indígenas “devem participar plena e efetivamente dos planos nacionais e internacionais para que nossas culturas sobrevivam a estas mudanças”, acrescentou.
Já se passaram 17 anos desde a primeira reunião da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, destacou Sheila Watt-Cloutier, ex-presidente do Conselho Circumpolar Inuit. “Precisamos agir rapidamente. Esta é a última oportunidade de assumir o controle”, disse aos delegados em videoconferência, de sua casa em Iqaluit, na província canadense de Nunavut. “O mundo necessita da sabedoria de nossas culturas”, concluiu.
Por: Stephen Leahy, correspondente da IPS. Sua viagem ao Alasca foi financiada pela Universidade das Nações Unidas e pelo Project Word, uma organização não-governamental com sede nos Estados Unidos, que incentiva a cobertura jornalística dos assuntos indígenas.
Fonte: AmbienteJá/IPS /Terramérica /Envolverde