Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
08/05/2009
Câmara vota MP que ameaça liberar grilagem na Amazônia
A Medida Provisória 458/2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das terras da União na Amazônia Legal, está para ser votada na Câmara Federal. O relatório, porém, apresenta diversos pontos perigosos. Se aprovado, pode fazer com que a lei, que deveria melhorar a vida dos pequenos posseiros que vivem há anos na região, vire mecanismo de estímulo à grilagem e à concentração fundiária.
O objetivo da MP é disciplinar a regularização fundiária de propriedades da União na Amazônia Legal, permitindo a transferência de terras públicas com até 1,5 mil hectares em nove estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão). A regularização fundiária é uma demanda antiga de pequenos posseiros que ocupam essas áreas há muito tempo, pois sem ela não têm como conseguir financiamentos nem linhas de crédito para investir, tendo em vista que não são proprietários das terras.
A Medida Provisória 458/2009 deveria marcar o início da solução de problemas de violência no campo, concentração fundiária e avanço do desmatamento ilegal. Entretanto, o texto original simplifica excessivamente os procedimentos de verificação da legitimidade da posse (se o indivíduo ocupou a área de forma pacífica, de boa-fé, há quanto tempo está na terra, se necessita dela para sua sobrevivência etc.), o que pode resultar na entrega gratuita de terras públicas a pessoas que não são as verdadeiras ocupantes ou que não necessitam dela para sua sobrevivência. Aliada à ausência de qualquer vinculação desse processo a uma política oficial de ordenamento fundiário, como o Zoneamento Ecológico Econômico, a MP pode induzir um verdadeiro "saldão" de terras públicas, que, ao invés de beneficiar os pequenos posseiros de boa-fé, beneficiaria os grandes grileiros e a concentração fundiária.
O projeto de lei de conversão da MP, que alterou a proposta do governo, piora ainda mais a situação. As modificações apresentadas no relatório do deputado Asdrubal Bentes (PMDB-PA), a ser votado nos próximos dias na Câmara, inclui áreas devolutas localizadas em faixa de fronteira e outras áreas sob domínio da União como passíveis de regularização nos termos dessa lei; retira a exigência do ocupante não ser proprietário de imóvel rural em qualquer parte do território nacional; e permite que pessoas jurídicas (empresas) possam adquirir terras públicas por meio dessa via facilitada, podendo vendê-las apenas três anos depois, por exemplo.
Para o coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA, Raul do Valle, se aprovado o relatório na sua atual versão o risco de se aumentar a concentração fundiária, a violência no campo e o desmatamento é muito grande. “Regularizar a posse dos caboclos e agricultores familiares é uma coisa, colocar terras públicas nas mãos de empresas e grandes fazendeiros é outra. Infelizmente, se uma série de garantias não forem introduzidas no projeto, como a necessidade de vistoria prévia e existência de um comitê orientador dos trabalhos, quem vai mesmo se beneficiar das novas regras vão ser estes últimos, em detrimento dos primeiros e do patrimônio público”, avalia o advogado.
Veja abaixo alguns pontos do relatório que devem ser necessariamente modificados, de acordo com parecer do ISA:
* risco à segurança nacional: a possibilidade de alienar terras devolutas em faixa de fronteira, aliada à possibilidade de legalizar áreas ocupadas por pessoas jurídicas (que poderão vender a propriedade sem restrição), pode resultar numa ampla privatização dessas terras, dificultando as ações do Exército na região, por exemplo.
* regularização de terras griladas: ao permitir alienação de terras a ocupantes indiretos e que já sejam proprietários de outros imóveis, a medida pode beneficiar grandes fazendeiros, que não dependem daquela área para sobrevivência e que as utilizam apenas para especulação (revenda posterior).
* concentração de terras: mediante processo licitatório com direito de preferência, a medida autoriza que pessoas jurídicas recebam o título da terra pública de até 1.500 hectares, podendo revendê-las (sem restrição) em até três anos, o que criará um mercado de terras recém-privatizadas que seguramente implicará no aumento da concentração fundiária na região, já excessiva.
* declaração de posse sem comprovação: a dispensa de vistoria prévia para imóveis até 4 módulos pode resultar na alienação de terras desocupadas ou para particulares que não são os verdadeiros posseiros.
A votação pode ocorrer a qualquer momento, dependendo apenas da votação de duas outras MPs que estão na frente da fila. O Ministério do Desenvolvimento Agrário vem tentando modificar o texto do relator, mas não há uma orientação clara do Executivo - para sua bancada de apoio - de tentar derrubar as modificações introduzidas. O próprio PT está dividido e deputados ligados a movimentos sociais do campo estão cerrando fileira contra a medida, pois compreendem que ela não beneficiará os pequenos agricultores. Mas, por ser um assunto que atiça o lucrativo mercado de terra na região, ele desperta interesse e apoio, inclusive, de muitos parlamentares da oposição, notadamente os ruralistas, de forma que a sua rejeição ou a modificação profunda do relatório a ser votado na Câmara é altamente improvável.
Fonte: CarbonoBrasil/ EcoAgencia