Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos
O Projeto Direito e Mudanças Climáticas nos Países Amazônicos, coordenado pelo Instituto O Direito por um Planeta Verde tem como meta fomentar o desenvolvimento de instrumentos regulatórios relacionados às mudanças climáticas nos países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, integrantes do Tratado de Cooperação Amazônica. LEIA MAIS
13/05/2009
Consequências de chuvas poderiam ser evitadas com planejamento e investimento público
As chuvas que já afetam quase um milhão de pessoas em mais de 10 Estados brasileiros expõem um problema que somente é notícia quando ocorrem tragédias: a falta de investimentos públicos para prevenir desastres de consequências dramáticas, alertam técnicos. Mais de 44 mortos, 300 mil desabrigados – segundo número da última segunda-feira – grandes perdas no agro negócio, destruição de casas, pontes e estradas é a contagem parcial dos danos. Os números diferem de um quadro a outro cada vez que ocorre um fenômeno climático cujas consequências, segundo a geógrafa especializada em clima Ercília Torres, poderiam ser evitadas com planejamento e obras de infra-estrutura.
As intensas chuvas que caem desde abril causaram desmoronamentos de casas, transbordamento de rios e perdas de colheitas em 320 municípios. As imagens da televisão as fotografias mostram tetos de casas debaixo da água, abrigos lotados, e a população se movimentando em botes por rios que até há pouco tempo eram ruas. Cenas muito parecidas com as do ano passado, quando as chuvas causaram a mesma tragédia em Santa Catarina. “O importante é planejar. Os aspectos climáticos têm de ser considerados para que haja um planejamento territorial”, disse Torres, do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília.
A geógrafa mencionou o planejamento em programas de casas populares, por exemplo, para evitar construir casas em áreas de risco de deslizamento de terras e cheias de rios, bem como represas e canais de deságue. Essas “obras são caras, mas podem evitar tragédias maiores”, acrescento Torres em entrevista à IPS. Segundo cálculo da Organização das Nações Unidas, cada dólar investido em prevenção de desastres naturais evita o gasto de US$ 10 na solução de suas consequências. Embora admita essa necessidade, o titular da Secretária de Defesa Civil, Roberto Guimarães, afiram que o Brasil, por tradição “cultural”, toma medidas depois e não antes dos desastres. A Defesa Civil age nesses casos distribuindo alimentos, medicamentos e abrigo, entre outras ações de emergência, com desobstrução de estradas, remoção de vítimas e evacuação de população para áreas seguras.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após sobrevoar as áreas afetadas, culpou os governos estaduais e municipais por não executarem ações preventivas, como evitar a construção nas margens de rios. Mas, informações anteriores da imprensa destacavam que muitas das casas cobertas pela água foram financiadas pela Caixa Econômica Federal. Por sua vez, as autoridades locais se queixam da demora do governo central para liberar recursos destinados a financiar obras de infra-estrutura e prevenção de desastres. Trata-se da combinação de dois fatores, disse Torres. Por um lado, “uma questao burocrática na hora de liberar recursos, e, por outro, a falta de vontade política. Só se dá atenção para a necessidade desses recursos quando a desgraça já aconteceu, depois se esquece”, acrescentou.
O Presidente Enviará ao Congresso uma medida provisória para destinar recursos à recuperação dos Estados afetados. Segundo cálculos preliminares, os prejuízos econômicos giram em torno dos US$ 500 milhões, sem contar as perdas do setor agropecuário. “As chuvas não nos pegaram de surpresa. As previsões meteorológicas já as antecipavam”, destacou a geógrafa. Em fevereiro, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, alertava que as chuvas, que já afetavam noroeste do País poderiam se agravar até junho, mês em que os rios da selva amazônica chegariam ao seu nível máximo. A capital do Amazonas, Manaus, enfrentaria a pior inundação de sua história desde 1953, com a elevação em mais de três metros do nível do rio Negro, disse Minc com base em informes meteorológicos.
“Não queremos pregar catástrofes, mas pelo andar da carruagem a situação é muito preocupante”, disse o ministro nessa oportunidade, acrescentando que “desta vez não podem dizer que foi por falta de aviso, pois comunicamos com 60 dias de antecedência”. A chuva chegou ao Amazonas e em outros Estados do norte. Os mais afetados são Maranhão, Piauí e Paraíba. Mas, também foram castigados Rio Grande do Norte, Bahía, Pernambuco e Alagoas, no nordeste, e Santa Catarina, na zona atlântica, no sul, entre outros. Isimar de Azevedo Santos, do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse à IPS que já em janeiro dois institutos nacionais haviam alertado para a intensidade das chuvas.
As causas são a incidência simultânea de La Nina, fenômeno climático periódico que esfria as águas superficiais do oceano Pacífico, e da Zona de Convergência Intertropical, um cinturão de baixa pressão na zona equatorial onde confluem correntes de ar quente e úmido desde o sul e norte do Equador. Com os elementos meteorológicos disponíveis, os pequenos agricultores do noroeste, que perderam suas colheitas de milho e feijão para subsistência, poderiam ter adiantado a semeadura, disse Azevedo.
Segundo o meteorologista, a alternância de secas e chuvas intensas são comuns nessa região. “Mas, eles preferem à informação oficial sobre clima, utilizar sua própria vivência. Plantaram na época em que estão acostumados, mas se usassem a informação disponível o teriam feito um pouco antes, para que as chuvas não prejudicassem a floração, que foi a causa das maiores perdas na agricultura no norte, porque essa época requer menos água”, acrescentou. Já a agroindústria, “que não produz cereais, mas frutas, não foi prejudicada porque soube processar as informações”, disse Azevedo.
No que as previsões erraram foi o grau de intensidade das chuvas. Previa-se que na região amazônica seriam superiores à média normal, “mas fomos surpreendidos pelo volume pluviométrico que não esperávamos”, disse Azevedo. A água que caiu no noroeste superou as precipitações habituais em mais de 50%. No Amazonas, o aumento ficou entre 30% e 40% e em algumas localidades chegou a mais de 100% em relação à média histórica, disse o especialista da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Porém, Azevedo não se atreveu a atribuir a irregularidade à incidência do aquecimento global, embora admita que não se observasse precipitações tão intensas no noroeste do País há 10 anos.
O meteorologista Carlos Nobre, do Instituto de Pesquisas Espaciais, disse em entrevistas à imprensa que, apesar das secas e chuvas intensas no norte, os “fenômenos são mais fortes do que no passado. Esse é um quadro muito característico de um planeta que está esquentando”. Dionísio Neto, da Rede ambiental do Piauí, não descarta que a expansão desordenada de monoculturas, como a soja, tenham influência na elevação do nível das águas na bacia do rio Paraíba, que banha o Piaui e grande parte do Maranhão. “É o reflexo da destruição do bioma e da inundação histórica deste ano”, disse Neto.
Por outro lado, Azevedo atribuiu a seca que simultaneamente afeta Rio Grande do Sul e partes de Santa Catarina – cuja zona atlântica suporta fortes precipitações – a uma “resposta do sistema atmosférico às chuvas do norte e noroeste, uma espécie de balança, como uma compensação”, explicou. Como Torres, Azevedo insistiu na necessidade de “máxima interação possível entre órgãos responsáveis, como defesa civil, governo, ministérios e autoridades locais”, acrescentando que “chama a atenção o fato de o público confiar cada vez mais nas previsões, tendo a percepção de que a meteorologia melhorou seus prognósticos”. Azevedo sugeriu que, “talvez, seja um bom momento para mais informação entre os organismos responsáveis de defesa civil e produção de alimentos com os institutos de meteorologia para evitar maiores prejuízos”.
A seca prolongada afeta um milhão de pessoas no sul, onde 96 municípios decretaram estado de emergência devido aos danos a plantações de soja, milho, feijão e agora as pastagens para gado e o abastecimento normal de água para consumo humano e animal. O Ministério da Agricultura considera que a falta de chuvas no sul é a principal causa para se esperar menores colheitas, por exemplo, de trigo. A seca atrasou a semeadura de trigo em algumas regiões de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e do Paraná, o que poderá prejudicar a colheita de inverno, segundo o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Na colheita passada, a produção de trigo foi de seis milhões de toneladas, o melhor resultado desde 2004. A estimativa oficial para a safra 2008/09 é de 5,5 milhões, com redução de 9%.
Embora em algumas regiões as inundações impeçam uma avaliação real das perdas, as chuvas também causaram prejuízos na pecuária. Os contínuos traslados de milhares de cabeças de gado de um lugar a outro em busca de terreno seco e melhor pastagem causaram perdas de 50% no Ceará. A produtividade também em menor no setor leiteiro, com queda de até 40% na produção em algumas regiões.
A falta ou o excesso de chuvas se soma a outro fenômeno, a chegada da gripe suína, que pode agravar ainda mais as condições de saúde de muitas regiões, que habitualmente suportam enfermidades como leptospirose, infecção transmitida pelos ratos. O Presidente Lula chamou a atenção das autoridades necessárias para que redobrem os esforços a fim de evitar maiores contágios da gripe A/H1N1. Até segunda-feira passada, o Brasil tinha confirmados oito casos de pessoas infectadas, na região sudeste.
Por: Fabiana Frayssinet
Fonte: AmbienteJá/IPS /Envolverde