Não chega a ser uma surpresa que o Brasil, com seu modelo econômico baseado na expansão da agricultura e mineração e com sua geração de energia dependente de grandes hidroelétricas, possua muitos conflitos ambientais.
Porém, a situação pode ser ainda pior do que muitos imaginavam: com 58 disputas oficialmente registradas, nosso país ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de conflitos ambientais.
É o que revela o Atlas Global de Justiça Ambiental, uma ferramenta online lançada na última semana e que permite o mapeamento dos mais de mil conflitos que aconteceram recentemente ou que ainda estão em andamento neste momento no planeta.
Produzido por mais de 100 especialistas de 23 universidades e entidades civis de 18 países, além de colaboradores independentes, o Atlas faz parte do programa Environmental Justice Organisations, Liabilities and Trade (EJOLT), criado pela Comissão Europeia.
O país com mais conflitos seria a Índia, com 112, seguido da Colômbia, 72, Brasil, 58, Nigéria, 58, Equador, 48, Turquia, 45, e Estados Unidos, 34.
Já as empresas mais envolvidas em problemas são: Corporação Nacional de Petróleo da Nigéria, 33, Royal Dutch Shell, 31, Companhia Desenvolvedora de Petróleo Shell, 25, Companhia de Petróleo Agip da Nigéria, 17, Vale, 15, e Rio Tinto, 14.
“O Atlas ilustra como os conflitos ecológicos estão crescendo ao redor do mundo, estimulados pela demanda das classes rica e média da população global por matérias-primas”, afirmou Joan Martinez-Alier, um dos elaboradores do Atlas e professor da Universidade Autônoma de Barcelona.
Além de destacar os conflitos em andamento, o Atlas revela que a impunidade e os interesses das corporações costumam vencer essas disputas. Pelo menos 80% dos embates terminam com decisões favoráveis às empresas ou governos. Apenas 17% dos casos encerrados podem ser considerados vitórias para as comunidades.
“Os mais impactados acabam sendo os pobres, comunidades marginalizadas e povos indígenas. Eles normalmente não possuem o poder para garantir seus direitos de justiça ambiental e saúde pública”, explicou Martinez-Alier.
Brasil
O Atlas traz informações sobre os conflitos brasileiros, alguns deles mais conhecidos, como as usinas hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio no rio Madeira, outros pouco mencionados pela nossa imprensa.
Um exemplo desses é a briga em torno da exploração de ferro na Serra da Gandarela, próxima de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Apesar de a empresa mineradora interessada, a Vale, concordar que a região pode se tornar um parque nacional, ainda existem disputas sobre a real delimitação do parque.
Estudos feitos pelo Ibama mostram que a Serra da Gandarela possui uma grande biodiversidade, além de ter importantes aquíferos. Já a Vale destaca que pode extrair do local 24 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.
Outro conflito citado no Atlas é a disputa por terras na gleba de Nova Olinda, no Pará. A expansão da produção de soja teria levado à invasão de áreas indígenas e de ribeirinhos.
Eventos de violência já teriam sido motivados pela disputa e resultado na morte do chefe indígena Crisomar dos Santos Costa, em março de 2013.
O Atlas salienta que são esses tipos de conflitos, envolvendo povos historicamente marginalizados, os mais comuns no Brasil.
“Essas populações estão fora do sistema político e não existem políticas públicas que reconheçam e garantam sua forma de vida e territórios. Os conflitos por terras costumam envolver disputas entre setores econômicos e indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais e um grande número de comunidades rurais que tradicionalmente exploram coletivamente a terra e os recursos florestais”, escreveu Marcelo Firpo Porto, da Fiocruz, que colaborou para a elaboração do Atlas.
Além da expansão da exploração por commodities, grandes obras estão entre os principais motivos para os conflitos brasileiros.
“A construção de infraestrutura, como rodovias, ferrovias, complexos portuários, hidroelétricas, termoelétricas e até fazendas eólicas estão associadas com conflitos”, destaca Porto.
Mesmo em áreas urbanas, a execução de obras pode resultar em disputas. Por exemplo, a remoção de pessoas para atender as necessidades dos grandes eventos que o Brasil sediará em breve, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, está gerando novos conflitos, diz Porto.
Para a coordenadora do Atlas, Leah Temper, o trabalho deixa claro que apenas com o engajamento de movimentos populares é possível conquistar vitórias contra grandes interesses econômicos.
“Somente quando as comunidades batem o pé e afirmam que não serão mais exploradas é que os governos e companhias alteram seu comportamento”, concluiu Temper.
Fonte: Instituto CarbonoBrasil
Fonte: Fabiano Ávila