Enquanto parques e reservas nacionais e estaduais sofrem com a falta de recursos e de gestão, tem gente que dedica seu pedaço de terra à conservação. Tudo para que outros possam compreender como funcionam os mecanismos da natureza. Com esse intuito que proprietários de qualquer tamanho registram suas terras como uma Reserva Particular de Patrimônio Natural. As RPPNs, como são mais conhecidas, são Unidades de Conservação privadas, cujo objetivo principal é conservar a diversidade biológica para esta e futuras gerações. Depois de registrada, a mata da reserva não pode mais ser derrubada.
“Para criar uma RPPN, é preciso ter um espírito conservacionista de essência”, alerta o coordenador técnico da organização não governamental Curicaca Alexandre Krob. O único incentivo para criação de uma reserva é a isenção do Imposto Territorial Rural, assegura o presidente do Comitê da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. A Curicaca administra a RPPN de Luis Rios de Moura Baptista, em Dom Pedro de Alcântara, no Litoral Norte. Os cerca de dez hectares do professor de Botânica da Ufrgs constituem um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica de terras baixas da região. Há mais de 40 anos, vem funcionado como uma “área-escola” em Biologia, recebendo inúmeros professores e alunos de universidades do estado.
Para ser uma RPPN, não interessa o tamanho. Da propriedade de 12,5 hectares de Cilon Estivalet, 6 hectares fazem parte da RPPN Bosque de Canela, criada em 1997. Há cinco anos são desenvolvidas atividades de educação ambiental com duas escolas municipais. Para ele, é fundamental ter um bom relacionamento com a comunidade do entorno. “Pela minha experiência, não dá para esperar apoio do poder público”, sentencia o ambientalista, fundador da Associação Ecológica Canela Planalto das Araucárias. Já Rogério Benevegnú Guedes, 47 anos, transformou parte da propriedade que fora de seu avô na RPPN, em 2007. Sua área de Floresta Ombrófila Mista, também conhecida como Floresta com Araucária, fica a 3,5 km do centro de Passo Fundo, um ilha de densa vegetação cercada por indústrias, lavouras de soja e que logo será atingida pela expansão urbana.
As RPPNs cumprem um importante papel dentro do atual contexto, já que as tendências da ocupação, do crescimento populacional, o estilo de vida e o próprio aumento do aquecimento global estabelecem uma contagem regressiva à biodiversidade e à qualidade dos mananciais (ver quadro Serviços Ambientais). E 80% do que resta do bioma Mata Atlântica – o segundo mais ameaçado do mundo, com pouco mais de 7% da sua formação original – está nas mãos de particulares.
De acordo com a Lei Nº 9.985, de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc), as RPPNs são ferramentas determinantes na formação de corredores ecológicos – podem unir fragmentos, ajudam na conexão entre as matas, protegem, muitas vezes, espécies endêmicas, aquelas que ocorrem só em determinados locais. As principais atividades de uma RPPN, além da prestação de serviços ambientais, são o ecoturismo, a educação ambiental e a pesquisa científica. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 68% do total de RPPNs federais criadas no país ficam no bioma Mata Atlântica. Dados do websitedo instituto apontam a existência de 1.101 RPPNs – federais, estaduais e municipais – que juntas protegem 704 mil hectares. Minas Gerais é o estado com maior número de RPPNs: 217, sendo 123 estaduais. No Rio Grande do Sul, há 30 reservas federais, umaestadual e duas municipais.
Parcerias fazem a história da Maragato
Depois de conseguir convencer os pais da sua ideia “louca”, o projeto de reserva de Rogério Guedes levou mais de seis anos, entre idas e vindas ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), que na época tratava das áreas protegidas, para obter o seu registro. Desde criança, Rogério foi incentivado a plantar árvores pelo avô Ítalo que deixou de herança a fazenda. A parte que lhe tocou, quis homenagear o avô, que lutou com lenço vermelho na Revolução Federalista, em 1923 – daí o nome Maragato.
Ele “converteu” as instalações da sede em infraestrutura de educação ambiental: o galpão de máquinas virou centro de visitantes e museu; leitaria, em refeitório, quartos e cozinha industrial. Hoje a reserva conta com alojamento para 40 pessoas, trilhas interpretativas e guiadas e até um guia ilustrado, resultado da parceria com pesquisadores e Universidade de Passo Fundo. Detalhe: a impressão do livro foi toda bancada por Guedes, que acrescenta não ter tido ainda o retorno financeiro do que já investiu em seu empreendimento. Mesmo assim, acredita que está valendo a pena o esforço. Mudou–se com a família para a reserva e sente-se satisfeito em proporcionar aos filhos essa oportunidade.
“Dentre as RPPNs de pessoa física que conheço na Mata Atlântica, são poucas as que têm estrutura de centro de visitantes, museu e alojamento como a Maragato”, observa Mariana Machado, coordenadora do Programa de Incentivo às RPPNs, da Fundação SOS Mata Atlântica. As organizações não governamentais SOS, Conservação Internacional (CI) e a The Nature Conservancy (TNC) viabilizaram a realização do Plano de Manejo da Reserva Maragato e outros projetos, como a elaboração de uma coleção de miniaturas de animais silvestres, a impressão de pôsteres, entre outros instrumentos de educação ambiental.
Os debates envolvendo a comunidade e o poder público local a partir da consolidação da UC fez com que a prefeitura promulgasse uma legislação municipal para criação de RPPNs em 2009. Com isso, foi criada a RPPN Instituto Menino Deus em 2010 e está em andamento no ICMBio o reconhecimento da RPPN Posse dos Franciosi em Taquaruçu do Sul, com 268,52 hectares. Além disso, também foi criado, em 2011, o Parque Natural Municipal do Pinheiro Torto, uma área contígua à RPPN Maragato, que amplia a proteção do fragmento florestal e a preservação de nascentes de arroios da Bacia Hidrográfica do Alto Jacuí. Em 2010, foi a vez de Santa Maria instituir uma legislação para criação de RPPNs municipais.
Impulsionar os municípios a aplicar verbas de recursos destinados à preservação ambiental em RPPNs, como ICMS Ecológico e verbas de fundos municipais de meio ambiente; criar linhas específicas de financiamento para RPPN no Fundo Nacional do Meio Ambiente e de um programa federal de apoio às RPPNs. Essas são algumas das metas da Confederação Nacional de RPPNs que congrega 17 associações. A presidente da confederação, Ana Maria Juliano, adianta ainda que há projetos de lei em tramitação que preveem mais benefícios para quem se preocupa em conservar, entre eles o sobre Pagamento de Serviços Ambientais. “Hoje temos mais apoio federal do que estadual”, lamenta Ana Maria, responsável pela RPPN Morro do Chapéu, em Sapucaia do Sul. A reserva também tem trilhas e está aberta para atividades de educação ambiental (ver quadro).
São Paulo paga por serviços ambientais das RPPNs
Em São Paulo, no último mês de março, 11 RPPNs (1.884,74 hectares) receberem cheques do governo do estado pelo Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). A iniciativa é uma ação pioneira no Brasil e reconhece os serviços ambientais comprovadamente prestados por essas unidades de conservação. Os proprietários receberam, em média, R$ 202,00 por hectare/ano, durante o período de cinco anos. A verba servirá para executar ações como controle de espécies exóticas invasoras, recuperação de áreas degradadas, vigilância, aceiros contra o fogo e sinalização.
Os paulistas dispõem de 77 RPPNs. Só no ano passado, foram criadas oito RPPNs e, neste ano, mais três. A área total protegida só por RPPNs é de 20.843,49 hectares, segundo a Federação das Reservas Ecológicas Privadas do Estado de São Paulo (Frepesp).