O recém-nascido que há cerca de dois meses vem trazendo um saboroso ruído ao corredor aqui do prédio onde moro, terá 35 anos em 2050. Caso nada seja feito pela geração atual, e levando em conta as projeções e estimativas científicas, o então jovem adulto vai ter que lidar com um clima bem diferente e mais desconfortável do que o que temos hoje. Talvez vá ser preciso incluir nos seus desafios diários, entre outros, a luta para conseguir água. Quando passo por ele e penso sobre isso, tenho vontade de pedir desculpas...
São cada vez mais contundentes as mensagens de especialistas no sentido de tentar atrair a humanidade para uma causa global, a de baixar emissões de carbono. A cada ano que passa, ficamos mais próximos do tempo que, décadas atrás, parecia ser “um futuro longínquo”. Os desastres provocados por eventos climáticos extremos, a salinização de algumas terras antes agricultáveis, a falta de água em diversas regiões já acontecem hoje. Segundo especialistas, vamos precisar nos adaptar para que a situação não piore mais.
A diferença é que até agora, de fato, os líderes governamentais, por mais que tenham frequentado reuniões, fóruns, conferências e encontros, podiam argumentar que não sabiam exatamente o que fazer para evitar emissões de carbono. Mas no dia 8 de julho (terça-feira passada), exatamente quando o Brasil amargava aquela extraordinária derrota no futebol, um relatório foi lançado por aproximadamente 30 instituições dos 15 países – incluindo Brasil e México – que representam mais de 70% das emissões globais. E, neste documento, há instruções até detalhadas sobre como fazer a transição para uma economia de baixo carbono (veja aqui).
Trata-se de um estudo organizado pela Rede de Desenvolvimento de Soluções Sustentáveis (tradução literal de Sustainable Development Solutions Network, ou SDSN), organização lançada globalmente pelo Secretário das Nações Unidas Ban Ki-Moon há dois anos. Quem dirige a Rede é o economista norte-americano Jeffrey Sachs, desde sempre ligado às causas sustentáveis, que esteve aqui no Brasil em março para lançar a organização. Fui à cerimônia e escrevi a respeito, veja aqui.
O objetivo da Rede é, justamente, mobilizar conhecimentos científicos e técnicos da academia, do setor privado e da sociedade civil, para resolver problemas em escala global e nacional que estejam impedindo um desenvolvimento sustentável. Bem sabem os que me acompanham aqui no blog que ando implicando muito com essa expressão. Assim sendo, prefiro traduzir para algo como um modelo de civilização mais justo, com preocupações sociais, econômicas e ambientais. Tudo junto, num pacote só.
O relatório tem um extenso primeiro momento, onde se explicam os motivos que deveriam nortear a humanidade a manter os 2 graus a mais, pelo menos. Outro estudo é citado, feito pelo Potsdam Institute for Climate Impact Research (PIK) para o Banco Mundial, que descreve um cenário dramático, de devastação, eventos extremos, e intenso sofrimento dos habitantes do planeta.
Num segundo momento, os 15 países mais poluidores oferecem suas soluções para baixar as emissões. Fiquei frustrada porque o Brasil, assim como Índia e Alemanha, só incluirá os seus comentários daqui a alguns dias. O trabalho todo será entregue a Ban Ki-Moon em setembro, quando haverá uma reunião do clima organizada pela ONU em Nova York, espécie de preparatória para a que vai acontecer em 2015 em Paris, onde se espera um acordo climático. Acho que o fato de o presidente Obama ter declarado, em junho deste ano, a decisão de cortar as emissões de gases do efeito estufa das termelétricas norte-americanas em 30% até 2030 (em relação a 2005), pode estar animando os outros países, alavancando expectativas e, quem sabe, providências globais.
O relatório, que em inglês recebe o nome de “The Deep Decarbonization Pathways Project (DDPP)” (Projeto sobre caminhos de descarbonização profunda, em tradução livre), por enquanto tem mais de 200 páginas e ainda pode ser mudado. A SDSN aceita, até 15 de agosto, sugestões e comentários que devem ser enviados para os endereços info@unsdsn.org e iddri@iddri.org. A ideia é que no ano que vem, em Paris, haja um robusto trabalho sobre como enfrentar a transição para uma economia de baixo carbono para ser debatido.
O que mais me inspirou no resumo executivo desse estudo foi a menção realista ao fato de que a descarbonização de uma economia não se faz de uma hora para outra: não existe um milagre, uma bala de prata. Se as iniciativas não estiverem alinhadas com desafios reais dos países – pobreza, desemprego, perda de biodiversidade e outros tantos que conhecemos tão bem – não vai dar certo. Está escrito.
Ficar dentro do limite máximo de 2 graus Celsius de aquecimento requer, sobretudo, diz o relatório, que não se faça mais “business as usual”. Esta é uma expressão que vinha desaparecida das publicações sobre sustentabilidade, mas que foi resgatada aqui muito apropriadamente. Há dois grandes desafios globais para que se consiga baixar as emissões, diz o relatório: o transporte e a indústria, sobretudo de mineração.
Quanto ao transporte, as opções de descarbonização incluem, é claro, tecnologias melhoradas de propulsão elétrica; mudança de modo, para trens e navios; uso de biocombustíveis sustentáveis e combustíveis sintetizados para o transporte aéreo e marítimo. Em resumo: muito investimento em tecnologia. Já a indústria precisará trabalhar com maior eficiência, com eletrificação de caldeiras, reutilização do calor residual, biomassa sustentável. Mas, dados os desafios tecnológicos associados com a profunda redução de emissões, será necessário reduzir ou limitar o crescimento da demanda por seus produtos, tendo outras metas e estratégias.
A análise confirma que muitas das tecnologias ainda não são totalmente comercializadas a preços acessíveis. Mas os especialistas enxergam isso como desafio para que os países se esforcem no sentido de desenvolver tecnologias mais disponíveis e de mais fácil acesso.
Entre os 12 países que já entregaram seus estudos, fiquei curiosa por conhecer o que pretende a Austrália. O país tem uma economia extremamente dependente do uso de carvão em sua cadeia produtiva. Em 2012 seu nível de emissão per capita era de 17 toneladas, mas no relatório há a promessa de diminuir para 3 toneladas em 2050. Seu caminho a ser percorrido para chegar a isso é desafiador. Sobretudo se levarmos em conta que o atual primeiro-ministro Kevin Rudd, ao assumir no ano passado anunciou que substituirá o imposto sobre emissões por uma espécie de comércio de emissões para tornar as contas mais baratas aos grandes poluidores.
Vou voltar ao assunto assim que o Brasil tiver conseguido se organizar para mandar suas sugestões ao relatório. Vamos esperar.