Prevaleceu tese do MPF de que a falta de medidas administrativas eficazes para fazer cessar danos causados em APP implica culpa concorrente do órgão fiscalizador
O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) obteve decisão judicial que, além de determinar a demolição de três chalés construídos irregularmente em Área de Preservação Permanente (APP), no interior da Área de Proteção Ambiental (APA) Serra da Mantiqueira, também condenou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por omissão no exercício do papel de fiscalização e proteção que lhe foi conferido pela Lei 11.516/2007.
Para o juiz federal que proferiu a sentença, ao não tomar qualquer medida administrativa para fazer cessar o dano, o ICMBio omitiu-se no seu poder-dever de polícia ambiental.
“A competência conferida a ente administrativo não pode ser entendida como simples prerrogativa de exercício da atribuição legal”, afirmou o magistrado, ressaltando que “o ordenamento jurídico não faculta, mas impõe à autarquia o dever de exercer as atribuições ou competências que lhe são outorgadas em lei.(...) Não se legitima, nas questões de defesa do meio ambiente, direito fundamental nos termos da CF/88, a eventual opção política de postergar a sua efetivação, ou de não lhe conferir a prioridade exigida pela Constituição”.
O entendimento do Juízo Federal, seguindo o mesmo posicionamento externado pelo MPF na ação, foi o de que a omissão do ICMBio “contribuiu efetivamente para a perpetuação da irregularidade, que, no caso presente, teve início em 2002”, tendo, portanto, culpa concorrente pela permanência das construções irregulares durante todo esse tempo.
A sentença foi proferida na Ação Civil Pública nº 2998-43.2010.4.01.3809. Nela, o MPF relatou que Eurico Magno Cristo Muniz, proprietário de um terreno situado no interior da APA Serra da Mantiqueira, no município de Bocaina de Minas, construiu três chalés em área não permitida: um dos chalés (Chalé 2) foi erguido a apenas 9,5 metros da nascente de um córrego e a 23 metros de sua margem esquerda; outro (Chalé 3) está situado a 13 metros da nascente e a 19 metros da margem esquerda; e o terceiro (Chalé 1) dista 4,9 metros do Chalé 2.
Um dos argumentos utilizados pelo réu em sua defesa foi a de que a demolição das construções acarretaria dano maior do que o decorrente de sua manutenção, o que foi refutado pelo juiz, sob o fundamento de que a prevalência de tal entendimento autorizaria o infrator a tirar "proveito da própria torpeza".
Novo Código Florestal - Quando da construção dos chalés, em 2002 e 2003, vigia o antigo Código Florestal brasileiro [Lei 4.771/1965], que considerava Área de Preservação Permanente aquela situada num raio mínimo de 50 metros das nascentes, ainda que intermitentes, e de 30 metros para os cursos d'água de menos de 10 metros de largura. A mesma lei impedia totalmente a supressão de vegetação nesses locais.
O novo Código Florestal [Lei 12.651/2012], que entrou em vigor no ano passado, embora não tenha feito nenhuma mudança quanto a essa específica caracterização das APPs, trouxe alterações em relação aos ilícitos administrativos decorrentes da retirada da vegetação, anistiando todos os proprietários que as tenham feito por motivos “agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008”. No entanto, a lei ressaltou a obrigatoriedade de recomposição de um raio mínimo de 15 metros no entorno de nascentes e olhos dágua.
Ou seja, conforme laudos de vistoria feitos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e pelo próprio ICMBio, os chalés foram construídos a menos dos 15 metros previstos na legislação, tanto a anterior quanto a atual.
“Verificado o dano, impõe-se sua reparação”, afirma a sentença.
Recuperação pelo ICMBio - Quanto à forma de recuperação ou reconstituição da área degradada, a lei prevê a elaboração, pelo causador do dano, de um projeto de recuperação de área degradada, a ser submetido à prévia aprovação pelo órgão ambiental, que também deverá acompanhar e fiscalizar sua execução.
Para o magistrado, tal procedimento é inexequível, porque a elaboração, análise e aprovação do projeto levariam tempo demasiado, além da eventualidade de rejeições sucessivas e até de judicialização das divergências, acarretando a prolongação indefinida da execução do julgado. Outro ponto questionado por ele é que a declaração da extinção da obrigação ficaria condicionada ao crivo exclusivo do ICMBio, que, sendo parte no processo, não poderia ter arbítrio sobre tal reconhecimento.
Com esse entendimento, o juiz condenou Eurico Magno Muniz ao pagamento de uma indenização no valor de 40 mil reais, substitutiva ao reflorestamento da área onde foram construídos os chalés.
A demolição das construções deverá ser feita em conjunto pelo proprietário e pelo ICMBio no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da sentença, com a posterior retirada dos entulhos.
Após a limpeza, o ICMBio é quem terá de promover a recuperação da área degradada, mas todas as despesas decorrentes das ações realizadas no local deverão ser pagas por Eurico Magno.
Outra condenação - O órgão ambiental responsável pela proteção das unidades de conservação federais também foi condenado a reparar danos ambientais resultantes de sua omissão em outra ação civil pública do Ministério Público Federal em Varginha.
Trata-se do mesmo tipo de infração ambiental: construção irregular em Área de Preservação Permanente, especificamente a 14 metros da margem direita do Ribeirão Santa Clara, na APA Serra da Mantiqueira.
Também nesse caso, o ICMBio - ou mesmo o Ibama que lhe antecedeu - nada fez para impedir a ocorrência do dano ambiental. O juiz lembrou, na sentença, que, embora a constatação do ilícito date de 2003, “não há notícia nos autos de nenhuma ação concreta por parte do ICMBIO (criado em 2007 – Lei 11.516/2007) para equacionar a situação”.
O proprietário do imóvel, Paulo Rubem de Carvalho, e o órgão ambiental foram condenados a demolirem, solidariamente, a construção e a removerem os entulhos respectivos. (ACP nº 1648-49.2012.4.01.3809)