A concentração da população brasileira na faixa litorânea, entre a área de praia até 500 quilômetros dentro da plataforma continental tem causado os grandes e gravíssimos problemas para a manutenção da qualidade das águas de superfície, como rios, lagoas, lagos de represas, como para a má distribuição das chuvas.
A conclusão é do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em seus estudos sobre aquecimento global e modificação do clima pelo homem. Neste levantamento notou-se cerca de 70% da população do País se concentra apenas nesta faixa e o adensamento das cidades, diversas delas com áreas de encostas, tem sido o principal problema relacionado aos desastres naturais relacionados à água, como deslizamentos e enchentes.
O pesquisador licenciado do Inpe e atualmente assessor do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Carlos Nobre, alerta que essa interferência nos microclimas gerados por esses adensamentos populacionais tem influenciado na formação de tempestades pontuais e na própria distribuição de chuvas em diversas regiões.
“Temos fenômenos como a formação de ilhas de calor, a maior concentração de poluentes na baixa atmosfera, nos processos de evaporação e de absorção da água pelo solo e também na velocidade que as chuvas chegam nas calhas do rios, pois temos construções onde estavam antigos leitos de rios sazonais e o concreto e o asfalto aumentam a velocidade dessas águas. Essa somatória de circunstâncias tem alterado o panorama do regime natural das águas em muitos locais”, explicou o cientista.
Fenômeno mundial
A tendência é que o aquecimento global tenha uma influência decisiva neste cenário, alterando o regime de chuvas. O fenômeno de escala mundial atingirá a região sudeste do Brasil, particularmente a faixa mais adensada pela população, que se situação entre São Paulo e o Rio de Janeiro, parte do sul e leste de Minas Gerais, Espírito Santo até o norte do Paraná.
Os períodos de chuvas serão marcados pelo mesmo índice pluviométrico, ou seja, choverá a mesma quantidade. Porém essas águas serão marcadas com tempestades intensas em períodos intercalados por extensas estiagens com forte calor. Esses efeitos já estão sendo sentidos, principalmente em grandes centros como São Paulo, Campinas, Sorocaba, Vale do Paraíba, regiões serranas entrando por Minas Gerais, interior do Rio de Janeiro e de Estados próximos.
As consequências desta distribuição irregular das chuvas serão mais sentidas no interior, quanto maior a distância do mar mais esse comportamento climático estará presente. Isto trará uma descompensação nas reservas de água, no volume de rios que abastecem as cidades, na agricultura e principalmente nos hábitos ligados ao consumo de água. As malhas hidrográficas tendem também a sofrer profundas alterações, como o desaparecimento de pequenos rios tributários de grandes corpos de água.
“A situação do uso consciente da água doce e potável é o principal problema do mundo deste meados do século passado. Todo ano vemos um agravamento dessa situação, particularmente nos centros urbanos que não param de crescer de maneira desordenada. As cidades crescem sem planejamento algum, não há estudo de impacto sobre a bacia hidrográfica, a quantidade de lixo que será gerado, como o esgoto, nossos tratamentos de efluentes ainda é muito deficitário e isto surgirá como um grande desastre programado para médio e longo prazos”, alertou o pesquisador do Inpe e mestre em planejamento e gerenciamento de cidades, Edmundo de Carvalho.
Para o pesquisador as cidades são amontoados de pessoas que geram demandas que o poder público tenta atender, mas sem levar em consideração os recursos naturais para manter essa população com condições de ter uma vida equilibrada com o meio ambiente. As pessoas se aglomeram em determinados lugares e não buscam repensar seus comportamentos, continuam a gastar água sem a menor preocupação com o futuro próximo. E mesmo na geração de lixo, que cresce exponencialmente.
“Tudo tem o limite de saturação, isto é lei da física, não dá para contornar. Se o lugar onde a cidade está situada tem um manancial hídrico que comporta uma população de 15 mil pessoas não se pode fazê-la crescer para 150 mil habitantes sem um impacto gigantesco em todo o entorno. Um dos problemas é que todos querem viver nas áreas mais beneficiadas, então começa uma corrida imobiliária insana com a construção de enormes espigões, avenidas pavimentadas, aumento no número de veículos e por aí vai, até exaurir por completo as condições de se ter uma vida equilibrada com o meio ambiente”, alertou Carvalho.
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo científico. Tem 30 anos de profissão, atuou na AE, Estadão, GZM, JB entre outros veículos. Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual se dedica atualmente.
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