O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) deu entrada nesta quarta-feira, dia 29, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona os benefícios fiscais concedidos à produção e comercialização de agrotóxicos no país. O documento, que será apreciado pelo ministro Luiz Edson Fachin, pede a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de partes do Convênio no 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e do Decreto no 7.660, que reduzem o ICMS e o IPI para os venenos agrícolas.
O texto do Convênio no 100/97, firmado pelo Confaz em 23 de dezembro de 2011, reduz o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) para diversos produtos. Entre as concessões está a diminuição em 60% da base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais de produtos como inseticidas, fungicidas, formicidas, herbicidas, parasiticidas, desfolhantes, dessecantes e estimuladores, com autorização para que os Estados concedam isenção total do imposto. A ADI do PSOL questiona a constitucionalidade de parte do Convênio, no trecho em que se refere aos produtos genericamente identificados como “agrotóxicos”.
Na mesma data também foi publicado o Decreto no 7.660, que institui a Tabela de Impostos sobre Produtos Industrializados (TIPI), onde consta a isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para as substâncias que compõem os venenos agrícolas. “A renúncia fiscal viola frontalmente as normas constitucionais, ademais quando analisadas sistematicamente. [...] Verifica-se que as isenções confrontam o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado, o direito à saúde, e violam frontalmente o princípio da seletividade tributária, posto que realizem uma ‘essencialidade às avessas’, ou seja, contrária ao interesse público”, defende a peça jurídica.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade argumenta, ainda, que a isenção fiscal deve privilegiar os produtos essenciais à vida, à dignidade, à justiça social, e não atividades econômicas extremamente poluidoras e que detêm ampla capacidade de arcar com a carga tributária regular. De acordo com o documento, a produção e o consumo dos agrotóxicos estão principalmente relacionados às grandes multinacionais que vendem e às principais culturas de commodities que os consomem, sendo a renúncia fiscal um benefício para grandes empresas que possuem capacidade para arcar com os tributos. “Ademais, a finalidade é retirar o estímulo ao consumo destas substâncias, sem criar qualquer impedimento, sobretaxação ou obstáculo extralegal para sua aquisição”, afirma.
A iniciativa da contestação ao STF dos benefícios fiscais partiu da Rede de Advogados Populares do Ceará (Renap-CE) e contou com a contribuição do Núcleo de Pesquisa Trabalho, Meio Ambiente e Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Tramas). Além dos advogados do PSOL André Maimoni, Alberto Maimoni e Álvaro Maimoni, assinam a ADI os advogados cearenses Renata Costa Maia, João Alfredo Telles Melo, Talita Montezuma, Cláudio Silva Filho, Luanna Marley Silva e Geovana Marques. Entre outros requerimentos, a Ação Direta de Inconstitucionalidade pede a concessão de medida cautelar para que seja declarada a inconstitucionalidade de parte daquelas normas federais e realização de audiências públicas para que sejam ouvidos especialistas e autoridades na área.
Para entender
Crescente a cada ano, o uso intensivo de agrotóxicos coloca o Brasil como campeão mundial de consumo desses produtos. Desde 2008 o país ocupa esta posição e impressiona pelas cifras – em ascensão – que a indústria movimenta. Em 2010, as empresas produtoras dos venenos agrícolas tiveram, segundo o Anuário do Agronegócio, uma receita líquida de cerca de 15 bilhões de reais. Deste total, 92% foram controlados por sete companhias de capital estrangeiro.
A venda de agrotóxicos no Brasil cresceu 194,1% de 2000 a 2012. Só em 2012 foram comercializadas 823.226 toneladas de produtos químicos para as lavouras brasileiras, o que corresponde a uma média de 5,2 kg de agrotóxicos por habitante. Considerando o cenário regional, o Brasil consome sozinho 84% das substâncias vendidas na América Latina. De acordo com a Anvisa, 63% dos alimentos analisados no Brasil estão contaminados por agrotóxicos.
A exposição aos agrotóxicos através do trabalho, do meio ambiente e do consumo humano é um fator de adoecimento da população, com casos comprovados de mortes causadas pela intoxicação através do contato com essas substâncias. Em 2014, a Justiça do Trabalho abriu importante precedente ao condenar a multinacional Del Monte pela morte de Vanderlei Matos da Silva, que trabalhava como auxiliar no preparo da solução de agrotóxicos utilizado na lavoura de fruticultura da empresa, na Chapada do Apodi (Ceará). A decisão, embasada em longa investigação do Ministério Público e em pesquisas do Núcleo Tramas, reconheceu a relação entre o trabalho com agrotóxicos e a morte do empregado.
Outro importante símbolo de luta contra a utilização de agrotóxicos foi o líder comunitário José Maria Filho, assassinado em 21 de abril de 2010 com mais de 20 tiros, em Limoeiro do Norte (Ceará). Zé Maria do Tomé, como era conhecido, foi morto a mando de importante empresário do agronegócio cearense por denunciar as ilegalidades e violações de direitos cometidas pelas empresas instaladas na região da Chapada do Apodi, como a grilagem de terras, poluição das águas e principalmente a pulverização aérea de agrotóxicos.
Seja através da exposição de trabalhadores na produção agrícola, de moradores no entorno dos empreendimentos rurais e urbanos atingidos pela contaminação do ar, do solo e da água ou do consumo humano, os principais efeitos dos agrotóxicos estão relacionados a problemas nos sistemas nervoso, respiratório, reprodutivo, imunológico, além de desregulação endócrina e disfunção no fígado. Por isso, em diversos países os agrotóxicos estão sendo recebendo sobretaxa, e não estímulo fiscal. “Percebe-se, portanto, que não deve prosperar o argumento de que o uso de agrotóxicos é essencial, insubstituível ou necessário para a produção agrícola”, defende a ADI do PSOL.
Pulverização aérea
Na contramão desses esforços, o presidente interino Michel Temer sancionou a Lei nº 13.301/2016, no dia 27 de junho, que entre outras medidas para controle do mosquito Aedes Aegypti libera a pulverização aérea de venenos. No texto consta a “permissão da incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida”.
A proposta partiu do Sindicato de Aviação Agrícola (Sindag) no mesmo ano em que a venda de agrotóxicos recuou 20%. A lei foi sancionada por Temer mesmo com o posicionamento contrário da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (Consems), do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do próprio Ministério da Saúde.
A pulverização aérea para controle de vetores além de perigosa é ineficaz. Anos e anos de aplicação de fumacê serviram apenas para selecionar os mosquitos mais fortes, forçando o aumento nas doses de veneno e a utilização de novos agrotóxicos. Os efeitos na saúde da população exposta à pulverização aérea nas lavouras estão bem relatados no Dossiê Abrasco.
A pulverização aérea de agrotóxicos é consideravelmente responsável por sua dispersão no ambiente. O método de aplicação já foi proibido pelo Parlamento Europeu em 2009, salvo casos excepcionais. Segundo pesquisadores, ainda que em condições ideais como calibração, temperatura e ventos, o método de pulverização implica em reter 32% dos agrotóxicos emitidos nas plantas, enquanto que 49% vão para o solo e 19% são dispersados para áreas fora da região de aplicação. No Ceará, Projeto de Lei no 018/2015, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), pretende proibir a pulverização aérea de agrotóxicos.