Na língua tupi, Sarapuí significa "rio dos sarapós", uma espécie de peixe que produz sinais elétricos. Há décadas, porém, neste rio de águas imundas, não há sinal de sarapós nem de outra espécie de peixe. O rio nasce na Serra de Bangu, Zona Oeste do Rio, e desemboca na Baía de Guanabara, depois de serpentear regiões pobres de seis municípios e receber uma tabela periódica de poluentes. O Sarapuí é um dos 17 rios que receberam o principal programa do governo do estado para evitar um vexame na Baía de Guanabara durante as competições olímpicas de vela: as ecobarreiras.
O paliativo, que consiste na captura do lixo flutuante antes que ele chegue ao espelho d’água da Guanabara, está longe de ser uma novidade: foi lançado há 13 anos, ainda quando Rosinha Garotinho era governadora do Rio e Lula, um presidente no início de mandato. De 2003 para cá, o programa sofreu dezenas de interrupções. Só foi plenamente restabelecido em meados de julho de 2016, quando 17 ecobarreiras passaram a capturar os resíduos – eram 9 no início de 2015. O governo, sem dinheiro, não conseguiu ampliar o programa num prazo mais curto.
A velha nova gambiarra tem pouco efeito prático. A Secretaria de Ambiente do Estado do Rio, responsável pelo projeto, diz que em seis meses de operação de dez ecobarreiras foram removidas 2.420 toneladas de resíduos sólidos – algo como 13 toneladas por dia. Isso representa 14% do total de lixo despejado diariamente em mais de cem rios e canais que drenam para a baía: 90 toneladas, segundo estimativa da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Urbana (Abrelpe). Mesmo que a eficiência aumente com as 17 ecobarreiras em operação, não há mágica para livrar a baía desse flagelo. Quebrados, os municípios do entorno da baía deixam a desejar na coleta de lixo. A população usa rios, ruas e sarjetas como lixeira. Sofás, geladeiras, fogões, pneus e até cadáveres são vistos com frequência na bacia hidrográfica da Guanabara.
Dessa vez, o governo estadual promete que as ecobarreiras estão fortalecidas, junto com 12 ecobarcos, que capturam a sujeirada já passeando pelos 377km2 da baía. A empresa Matos Teixeira ganhou a licitação de R$ 18.880.916,79 por 18 meses de serviço – até dezembro de 2017 – e botou retroescavadeiras para tirar os resíduos agarrados às barreiras. Somente no conjunto de favelas da Maré são seis barreiras.
As cooperativas de catadores saíram fora. Todo o lixo capturado vai para aterros sanitários licenciados. O secretário do Ambiente, André Corrêa, afirma que vai pensar num modelo de triagem dos recicláveis após os Jogos. Em tempos de cofres vazios, terá dificuldade para argumentar em favor do uso dos catadores. Segundo um ex-coordenador do projeto, apenas de 8% a 10% do lixo flutuante que era capturado anos atrás ia efetivamente para a indústria de reciclagem. Na divisão do bolo, sobravam migalhas para os catadores.
Quem viu o projeto das ecobarreiras nascer, quase artesanalmente, está cansado de ver mais do mesmo. É o caso da pedagoga Fátima Casarin, que coordenou um projeto de educação ambiental, de 2003 a 2007, paralelo à captura dos resíduos. “A gente nunca gostou das ecobarreiras, na essência ela é horrível. Era muito mais artesanal no passado, ficavam os catadores, com ecopontos ao lado. Para você resolver a questão do lixo tem que apostar um conjunto de atividades. Uma logística reversa decente, participação de supermercados, grandes empresas como Coca-Cola, coleta adequada e educação. Muita gente critica, mas também não sugere nada propositivo. Estou cansada”, diz.
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